Em 02/09/2015 a Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL colocou à disposição dos interessados a Consulta Pública nº 23.
A referida consulta pública (denominada CP23) irá alterar a Resolução nº 506/2008, que regula a utilização de equipamentos de radiocomunicação de radiação restrita (frequência livre e potência baixa). E na mesma oportunidade, a CP23 também irá alterar a Resolução nº 614/2013, que regula a prestação dos serviços de comunicação multimídia (SCM).
Sob uma simples leitura da CP23 é clarividente que a ANATEL visa desobrigar as prestadoras dos serviços de comunicação multimídia, que contém até 5.000 (cinco mil) usuários (que se utilizam de meios confinados ou equipamentos de radiação restrita), da obtenção de autorização SCM (outorga). E não há dúvidas de que a CP23 irá desregular um mercado já consolidado desde 2001 (quando foi criado o serviço de comunicação multimídia, por intermédio da Resolução. nº 272/2001, revogada posteriormente pela Resolução nº 614/2013).
Portanto, nestes 14 anos de existência do SCM, as prestadoras ajustaram-se às obrigações impostas pela ANATEL, bem como perante as necessidades e carências do mercado, sempre sob um regramento taxativo imposto pela ANATEL.
E o consumidor, apoiado em uma regulamentação que lhe conferia direitos sólidos e inequívocos, também fez com que as empresas SCM buscassem variadas formas de aprimorar a prestação dos serviços, sendo feitos investimentos em qualidade, tecnologia e atendimento.
Tudo isso, na atual conjuntura, está sendo ignorado pela CP23.
A proposta da CP23 não trará quaisquer benefícios, pelo contrário, ocasionará significativos prejuízos e impactos negativos para este setor, tanto em face das prestadoras atuais, quanto em face dos consumidores.
Ressalte-se que, compulsando o site da ANATEL, constam até o dia 21/10/2015 o total de 5.330 empresas autorizadas à prestação do SCM. Sendo que tais empresas estão presentes em praticamente 100% dos Municípios que integram o território nacional. O que traz a certeza de que as prestadoras SCM foram e são responsáveis pela inclusão digital em todo o território brasileiro, frisa-se, sempre pautadas nas normas da ANATEL, qualidade e eficiência.
E este número considerável de empresas autorizadas SCM, bem como a abrangência destas empresas em quase todo o território nacional, demonstra inequivocamente que não é necessária a desregulação proposta pela CP23 para se fomentar a diversificação e competição de empresas, bem como a massificação do acesso à internet no Brasil.
Atualmente, e mesmo diante da regulamentação atual, já existem empresas autorizadas SCM suficientes a levar o acesso à internet a qualquer parte do território nacional.
Sendo fundamental destacar que, em 2013, a ANATEL já havia reduzido para R$ 400,00 (quatrocentos reais) o valor cobrado para obtenção de autorização SCM. Sendo que este valor não representa qualquer limitador a entrada de novos players no mercado SCM. O próprio número de prestadoras atuais (5.330) é bastante e suficiente a demonstrar que a regulamentação atual é capaz, por si só, de fomentar a competição no mercado, através da admissão e criação de novas empresas aptas à prestação do SCM.
Sendo que a regulamentação atual, ao contrário da CP23, é capaz de aliar tanto o incentivo à entrada de novos players no mercado SCM, quanto a necessária segurança jurídica ao setor de telecomunicações e aos consumidores, visto que a regulamentação atual ainda exige das empresas interessadas a apresentação de projetos e documentos hábeis a demonstrar que as mesmas, de fato, irão acrescentar qualidade e segurança ao mercado em questão.
A CP23, por outro lado, incentiva as empresas “aventureiras”, pois ao propor a desregulação, possibilita que qualquer empresa, sem a mínima qualidade e respeito aos consumidores e concorrentes, passe a prestar serviços de comunicação multimídia, em caráter comercial.
A título de exemplificação, se a ANATEL desregular o setor, as atuais Prestadoras SCM certamente terão que competir com os chamados “gato-nets” (expressão dada a pessoas que compartilham ilicitamente serviços contratados de operadoras, sem qualquer autorização da ANATEL, sem qualidade, sem respeito às regras da Agência, normas de defesa do consumidor, normas do CREA, dentre outras).
E mais, as atuais Prestadoras SCM terão que competir com empresas sem nenhuma expertise ou capacidade técnica no mercado de telecomunicações. Empresas estas que, diante da desregulação, irão simplesmente tumultuar o mercado SCM, já altamente competitivo e consolidado.
Portanto, da forma como pretendida pela ANATEL, a desregulação irá prejudicar o mercado SCM, visto que será admitida a entrada de empresas sem nenhuma expertise ou capacidade técnica, que podem prejudicar os demais concorrentes e consumidores, criando um cenário de incerteza e impunidade em um mercado que necessita da regulação do Poder Público.
Ademais, é de bom alvitre destacar que, ao propor esta desregulação, a ANATEL simplesmente desconsidera um fato de alta relevância no mercado SCM: o espectro de frequência livre é finito e escasso, de modo que ao se admitir a exploração deste espectro por qualquer empresa, sem nenhum controle e sem exigir destas empresas um mínimo de expertise e capacidade técnica, a ANATEL certamente estará contribuindo para o aumento de litígios e problemas envolvendo a utilização deste espectro.
Prejudicando, repisa-se, não apenas os consumidores com serviços de baixa qualidade, mas também as Prestadoras atuais, pois estas não conseguirão mais competir utilizando-se das frequências livres e, portanto, terão um aumento considerável em seu custo fixo com a contratação de frequências licenciadas ou com a utilização de meios confinados.
Na mesma linha, é importante apontar que a ANATEL, ao propor a desregulação, está criando no mercado dois tipos distintos de prestadoras SCM com até 5 mil usuários: a) aquelas prestadoras que já são autorizadas e devem respeitar as normas da ANATEL, e b) aquelas novas entrantes que não precisarão se submeter ao crivo da Agência. Tal segregação contaminará o mercado SCM com a ausência de isonomia entre as empresas, visto as empresas SCM continuarão sujeitas ao poder fiscalizatório da ANATEL, enquanto que as demais empresas poderão atuar livremente, sem nenhuma preocupação quanto a fiscalização da ANATEL.
E a ausência de isonomia é também corroborada pelo fato das empresas já autorizadas, para conseguirem atuar neste mercado, terem se submetido a altos investimentos e despesas tanto em relação a obtenção da autorização SCM, quanto em relação a sua manutenção. Enquanto que, as novas empresas, após a CP23, conseguirão atuar no mesmo mercado sem absolutamente nenhum investimento ou despesa no tocante a autorização SCM.
Eis, portanto, o flagrante abismo que está sendo criado pela ANATEL.
Além disso, diante da desregulação proposta pela ANATEL, algumas perguntas terão de ser respondidas pela mesma: a) Considerando que a desregulação abarca também os meios confinados, como ficarão os contratos de compartilhamento de infraestrutura, ao passo que as concessionárias de energia elétrica para permitir o uso dos pontos de ocupação nos postes exigem das prestadoras SCM a autorização concedida pela ANATEL? b) Como a ANATEL irá exigir que as empresas sem autorização observem o regramento técnico atual? c) Como será exercido pela ANATEL o Poder de Polícia (fiscalizador) em relação as empresas sem autorização?
Diante dos pontos acima ressaltados, é evidente que a CP23 irá apenas tumultuar um mercado que, atualmente, encontra-se bem delimitado por normas e critérios técnicos concretos. E acima de tudo, é evidente que a CP23 irá prejudicar não apenas as empresas já autorizadas, mas também os consumidores dos serviços.
Motivo pelo qual é fundamental que todas as empresas SCM atuais manifestem contrariamente à aprovação desta Consulta Pública.
Alan Silva Faria
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Advogados Associados