No dia 27/01/2016 o Ministério da Justiça (http://pensando.mj.gov.br/marcocivil/) colocou em consulta pública a regulamentação da Lei 12.965, de 23/04/2015, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet.
É a primeira vez que o Ministério da Justiça lança debate público para a criação de um Decreto. As sugestões de alteração ou permanência do texto preliminar apresentado pelo Ministério da Justiça, assim como os debates acerca dos temas, vão ocorrer até o dia 29/02/2016.
Em suma, o Marco Civil da Internet estabeleceu princípios, garantias, direitos e deveres para os usuários da Internet. Além disso, o Marco Civil previu responsabilidades e deveres aos “Provedores de Conexão à internet”, bem como para os “Provedores de Aplicações na internet”.
O Marco Civil estipulou em seu texto a necessidade de posterior regulamentação no tocante a: neutralidade da rede (art. 9º, §1º); procedimentos de segurança e de sigilo dos dados (art. 10, §4º); a forma de prestação de informações pelos Provedores de Conexão a Internet e Provedores de Aplicações na internet (art. 11, §3º); procedimento para apuração de infrações (art. 11, §4º); a forma como os Provedores de Conexão a internet devem realizar a guarda de registros de conexão (art. 13), e a forma como os Provedores de Aplicações de internet devem realizar a guarda dos registros de acesso (art. 15);
E, tomando como escopo o art. 84, inciso IV, da Constituição Federal, cabe ao Presidente da República expedir decretos e regulamentos para a fiel execução das Leis. Eis então a justificativa para que o Ministério da Justiça proceda com a Regulamentação do Marco Civil da Internet.
A Minuta colocada em consulta pública e disponibilizada no site do Ministério da Justiça foi dividida em 04 (quatro) capítulos: disposições gerais; neutralidade da rede; proteção aos registros, aos dados pessoais e às comunicações privadas; e fiscalização e transparência;
Em uma primeira análise da Minuta, observa-se no art. 2º a perfeita abordagem do Legislador, ao deixar claro que o referido Decreto não se aplica aos “serviços de telecomunicações que não se destinem ao provimento de conexão de internet”. Com esta redação, o legislador retirou expressamente a necessidade de guarda de serviços de conexão em relação a outros serviços de telecomunicações, que não tenham por finalidade a conexão do cliente à internet.
Ademais, analisando-se o Artigo 15 da Minuta submetida à Consulta Pública, nota-se a preocupação do legislador em garantir o cumprimento do Marco Civil da Internet tanto pelas operadoras de serviços de telecomunicações, quanto pelas empresas atuantes nos serviços de valor adicionado (conexão à internet).
Assim o fez, obviamente, pois reconhece a distinção entre serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado; e reconhece que os serviços de conexão à internet não são necessariamente realizados por empresas com outorga de telecomunicações. Confira a redação:
Art. 15. A Agência Nacional de Telecomunicações ficará responsável por regular os condicionamentos às prestadoras de serviços de telecomunicações e o relacionamento entre estes e os prestadores de serviços de valor adicionado, fiscalizar e apurar as infrações, assim como coibir violações a seus direitos e comportamentos prejudiciais à competição, nos termos da Lei nº 9.472, de 16 de julho de 1997.
Além disso, assim agiu o Legislador pois reconhece que a ANATEL, a quem será conferido o direito/dever de fiscalização do cumprimento do Marco Civil da Internet, não possui direito de fiscalização direto em relação às prestadoras dos serviços de valor adicionado. Por este motivo é que o Artigo 15, acima referido, além de ter garantida a atuação da ANATEL diretamente perante as operadoras de telecomunicações, garantiu ainda a regulação do relacionamento entre operadora de telecomunicações e a prestadora dos serviços de valor adicionado.
Tudo isso, repita-se, com a finalidade de garantir o cumprimento do Marco Civil da Internet por todas as empresas que possam ter envolvimento na conexão do cliente à internet.
No tocante a Neutralidade de Rede, que constitui a garantia de que os pacotes de dados que circulam na Internet sejam tratados de forma isonômica, sem distinção por conteúdo, origem, destino ou serviço, a Minuta proposta aponta que a discriminação ou degradação de tráfego poderá decorrer de requisitos técnicos indispensáveis (exceção à neutralidade).
A Minuta proposta o Poder Público conceituou ainda os requisitos técnicos indispensáveis para que possa ocorrer a descriminação ou degradação do tráfego (exceção à neutralidade da rede), quais sejam: (i) tratamentos de questão de segurança de rede; (ii) tratamento de situações de congestionamento de redes; (iii) tratamento de questões de qualidade de redes; e (iv) tratamento de questões imprescindíveis para a adequada fruição das aplicações;
No que se refere aos itens (iii) e (iv) acima, previstos no Artigo 5º da Minuta submetida à consulta pública, tais dispositivos foram atrelados diretamente ao que prevê o Artigo 9º, §2º, do Marco Civil, sendo que o referido artigo previu que o responsável pela descriminação ou degradação de tráfego deverá: abster-se de causar dano aos usuários; agir com proporcionalidade, transparência e isonomia; informar previamente de modo transparente, claro e suficientemente descritivo aos seus usuários sobre as práticas de gerenciamento e mitigação de tráfego adotadas, inclusive as relacionadas à segurança da rede; e oferecer serviços em condições comerciais não discriminatórias e abster-se de praticar condutas anticoncorrenciais;
Portanto, apesar das exceções à neutralidade da rede deixar margens para interpretações diversas, e apesar das exceções à neutralidade não serem mais explícitas e taxativas, ao vincular os itens III e IV do Artigo 5º da Minuta ao que prevê o Artigo 9º, §2º, do Marco Civil, o Legislador garantiu expressamente a responsabilização dos envolvidos na descriminação ou degradação de tráfego.
Noutra banda, novamente a Minuta do Decreto acerta em cheio ao prever no seu texto o conceito de dados cadastrais (Artigo 9º, parágrafo único, da Minuta). Isto porque, não obstante a necessidade de autorização judicial para ocorrer a quebra de sigilo dos usuários, vários Delegados e Autoridades Administrativas, valendo-se da expressão dados cadastrais e sem a necessária ordem judicial, estão solicitando das empresas de telecomunicações informações relativas aos dados cadastrais do IP.
Diante de uma clara e distorcida tentativa de obter a quebra de sigilo do usuário, sem obter autorização judicial, várias notificações contendo a obrigação de apresentação de dados cadastrais de IP foram recebidas pelas empresas sujeitas a este regramento.
Por isso, quando a Minuta conceitua taxativamente dados cadastrais, o Poder Público dificulta pedidos de quebra de sigilo sem a obtenção de ordem judicial. Vejamos o conceito de dados cadastrais: filiação, endereço, e qualificação pessoal (nome, prenome, estado civil e profissão).
Inclusive, ao também conceituar dados pessoais (Artigo 12 da Minuta), fornecidos apenas com ordem judicial (quebra de sigilo), e ao apontar que os registros de conexão estão inseridos no conceito de dados pessoais, o Poder Público dificulta a solicitação da quebra de sigilo (registros de conexão) sem a devida autorização judicial.
A Minuta do Decreto também traz algumas obrigações para os Provedores de Conexão e Provedores de Aplicação da Internet, tais como a necessidade de divulgar de forma clara e acessível, preferencialmente no seu site, informações sobre os padrões de segurança adotados.
Além disso, a Minuta do Decreto cria a obrigação dos Provedores de Conexão e Provedores de Aplicação na Internet de realizar controle estrito de pessoas que tenham acesso aos dados sigilosos. E mais, será necessária a criação de mecanismos de autenticação de acesso aos registros, com sistema de autenticação dupla para assegurar a individualização do responsável pelos tratamentos dos registros.
Será necessária também a criação de um inventário detalhado dos acessos aos registros de conexão e de acesso a aplicações contendo o momento, a duração, a identidade do funcionário ou o responsável pelo acesso e o arquivo acessado.
Diante dos pontos acima ressaltados, é evidente a importância para os Prestadores de Serviços de Conexão à Internet acerca do que versa a consulta pública posta pelo Ministério da Justiça, que irá regular o Marco Civil da Internet.
Motivo pelo qual é fundamental o acompanhamento e a participação efetiva deste setor.
Alan Silva Faria
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Advogados Associados