Como é de conhecimento comum, a franquia de consumo, ou também conhecida como franquia de dados, constitui uma prática comum em relação aos serviços de internet disponibilizados pelas Operadoras de Telefonia Móvel. Estes serviços são coloquialmente conhecidos como “Serviços de Internet Móvel”.
Com o advento do Regulamento dos Serviços de Comunicação Multimídia, aprovado pela Resolução ANATEL 614/2013, a ANATEL autorizou a mesma prática (franquia de consumo) às operadoras dos serviços de comunicação multimídia (SCM), conforme estabelecem os seguintes dispositivos:
“Art. 63. O Plano de Serviço deve conter, no mínimo, as seguintes características:
(…) III – franquia de consumo, quando aplicável.
- 1º O Plano de Serviço que contemplar franquia de consumo deve assegurar ao Assinante, após o consumo integral da franquia contratada, a continuidade da prestação do serviço, mediante:
I – pagamento adicional pelo consumo excedente, mantidas as demais condições de prestação do serviço; ou,
II – redução da velocidade contratada, sem cobrança adicional pelo consumo excedente.”
Esta limitação está também respaldada no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC, aprovado pela Resolução ANATEL 632/2014, senão vejamos:
“Art. 50. Antes da contratação, devem ser claramente informadas ao Consumidor todas as condições relativas ao serviço, especialmente, quando for o caso:
(…) VI – limites de franquia e condições aplicáveis após a sua utilização;”
Ressalte-se que, antes das referidas resoluções, a legislação em geral e a regulamentação da ANATEL não eram totalmente claras quanto a possibilidade de se limitar os serviços de internet, através da estipulação de uma franquia máxima de dados.
E mesmo antes das referidas resoluções, já ocorreram diversos questionamentos de consumidores, procons e associações de proteção aos consumidores, quanto a limitação do uso da internet móvel através da intitulada “franquia de consumo”, sobretudo quanto a redução da velocidade após atingida a franquia contratada.
Esperava-se que, com a publicação do novo Regulamento dos Serviços de Comunicação Multimídia, através da Resolução ANATEL 614/2013, e ainda, com o novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, através da Resolução ANATEL 632/2014, que a ANATEL pudesse regulamentar de maneira adequada este tema, e com isso, possibilitar uma maior segurança jurídica não apenas às operadoras de telecomunicações que optarem por utilizar esta forma de contratação com seus assinantes, mas também aos próprios consumidores quanto a evolução dos serviços contratados.
Mas, ao contrário de pacificar a questão, o que se verificou foi exatamente o contrário: a regulamentação da ANATEL, por apresentar disposições contraditórias, inflamou ainda mais os questionamentos jurídicos a respeito da “franquia de consumo”.
O principal dispositivo que, atualmente, se apoiam os consumidores, procons e associações de proteção aos consumidores para sustentar a ilegalidade da “franquia de consumo”, é o Artigo 3º, inciso VI, do Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações, aprovado pela Resolução ANATEL 632/2014, que assim dispõe:
“Art. 3º O Consumidor dos serviços abrangidos por este Regulamento tem direito, sem prejuízo do disposto na legislação aplicável e nos regulamentos específicos de cada serviço:
(…) VI – à não suspensão do serviço sem sua solicitação, ressalvada a hipótese do Capítulo VI do Título V ou por descumprimento de deveres constantes do art. 4º da LGT, sempre após notificação prévia pela Prestadora;”
E também, o Artigo 7º, inciso IV, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), que assim dispõe:
“Art. 7º. O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
(…) IV – não suspensão da conexão à internet, salvo por débito diretamente decorrente de sua utilização;”
Tais dispositivos, como de fácil percepção, garantem aos assinantes dos serviços de internet o direito à não suspensão dos serviços, salvo em caso de débito decorrente diretamente de sua utilização, ou em caso de infração aos deveres constantes no Artigo 4º da Lei Geral de Telecomunicações. Ou seja, tais dispositivos não ressalvam que o serviço poderá ser suspenso, parcialmente, uma vez atingida a “franquia de consumo”, caso integrante do plano de serviço contratado pelo assinante.
Trata-se, na minha visão, de um evidente erro de redação tanto do RGC, quanto da Lei nº 12.965/2014, que realmente ensejou uma evidente contradição entre dispositivos legais / regulamentares.
Isto porque, quanto ao RGC, o correto seria a ANATEL ressalvar a possibilidade de suspensão dos serviços, além da hipótese de débito decorrente diretamente de sua utilização e de infração aos deveres constantes no Artigo 4º da Lei Geral de Telecomunicações, também para a hipótese de exaurimento da franquia de consumo, e para a hipótese de solicitação do próprio assinante (esculpida, por exemplo, no Artigo 67 do RSCM).
Já quanto a Lei n.º 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), o correto seria o Poder Legislativo admitir, no referido dispositivo legal, a possibilidade de suspensão por outros motivos previstos em regulamentação da ANATEL.
Mas isto, obviamente, se a ANATEL seguir sua linha de atuação anterior e permitir, de fato, a utilização da “franquia de consumo” pelas operadoras de telecomunicações.
Isto porque, como órgão influenciável politicamente e sujeito ao clamor popular, há a real possibilidade da ANATEL alterar o modelo de negócio relacionado aos serviços de internet, impondo necessariamente os serviços de internet ilimitada, extinguindo de vez a “franquia de consumo”.
Inclusive, há de se destacar que a Superintendência de Relações com os Consumidores da ANATEL, em recente decisão, impediu temporariamente as operadoras de internet fixa de reduzir a velocidade ou suspender a prestação do serviço de banda larga após o término da franquia prevista. Sendo esta decisão válida até que essas empresas forneçam aos consumidores ferramentas que permitam, por exemplo, acompanhar o uso de dados de seus pacotes.
Na minha visão, como estamos diante de serviços de interesse coletivo, de natureza essencial, o correto seria empregar neste momento uma “liberdade contratual moderada”. Ou seja, possibilitar às operadoras de serviços de comunicação multimídia a possibilidade de se estipular “franquia de consumo” em seus planos de serviços, mas também exigir que as mesmas disponibilizem aos seus assinantes planos de serviços de internet ilimitada (sem franquia de consumo).
E também, impedir que as operadoras de telecomunicações transformem planos de internet ilimitada, em planos de internet limitada (com franquia de consumo), sem o consentimento expresso do assinante envolvido.
Com isso, caberia ao consumidor escolher qual tipo de internet ele deseja contratar: ilimitada ou não.
Veremos as cenas dos próximos capítulos.
Paulo Henrique da Silva Vitor
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados Associados