Em artigo recentemente publicado, abordamos sinteticamente alguns métodos de avaliação de empresas, esclarecendo que os métodos apresentados são meramente exemplificativos, e ainda, que os métodos apresentados devem se aplicados conjuntamente, de modo a cumprir adequadamente o objetivo real da avaliação de uma empresa, qual seja, alcançar o valor justo e verdadeiro da empresa avaliada.
Pois bem! Uma vez alcançado um consenso entre comprador (investidor) e vendedor quanto ao preço de aquisição de uma empresa de internet e telecomunicações, o próximo passo obviamente é se certificar que o instrumento jurídico (contrato) que irá regular esta compra/venda está contemplando de fato todas as condições do negócio, e mais, está cercando todas as eventualidades que podem surgir quando do cumprimento do contrato de compra e venda, sejam eventualidades inerentes ao comprador (investidor), sejam eventualidades inerentes ao vendedor, seja eventualidades inerentes ao negócio adquirido.
E neste tocante, o primeiro aspecto que deve ser sopesado pelo comprador (investidor) é quanto ao efetivo objeto da compra e venda, ou seja, se a aquisição contemplará a empresa de internet e telecomunicações como um todo (incluindo tanto os ativos, fundo de comércio, marca e carteira de clientes, quanto a própria pessoa jurídica – CNPJ), ou se a aquisição contemplará apenas os ativos, fundo de comércio, marca e carteira de clientes.
Muitas vezes, a compra da própria pessoa jurídica (CNPJ) é atrativa pois, em se tratando de serviços de telecomunicações, a empresa vendedora já detém usualmente as competentes autorizações da ANATEL para a prestação de determinados serviços de telecomunicações, bem como já detém os competentes licenciamentos da ANATEL, sobretudo quanto as estações utilizadas. E desta forma, a compra da própria pessoa jurídica (CNPJ) facilita operacionalmente a sequência das atividades, eis que não há a necessidade de se solicitar novas autorizações ou licenças em nome de novas empresas.
E também, a compra da própria pessoa jurídica (CNPJ) é atrativa haja vista que facilita a efetiva migração dos clientes e fornecedores, evitando-se o desgaste e contratempos naturais que ocorrem com a substituição de contratos em favor da nova empresa.
Todavia, a compra da própria pessoa jurídica (CNPJ) deve ser avaliada cuidadosamente, eis que o comprador (investidor) pode ser surpreendido, posteriormente ao fechamento do negócio, com dívidas e passivos da vendedora, desconhecidos quando da negociação contratual. Motivo pelo qual é fundamental a contratação de uma auditoria externa, no intuito de avaliar os riscos inerentes à empresa vendedora.
Sendo importante destacar que, ainda que se decida por comprar apenas os ativos, fundo de comércio, marca e carteira de clientes da empresa vendedora, tal fato não afasta o risco de sucessão empresarial, motivo pelo qual é fundamental, em qualquer hipótese, a contratação de auditoria externa para se inquirir quais riscos a empresa vendedora está sujeita.
A sucessão empresarial, em caso de aquisição de fundo de comércio, é prevista no Artigo 133 do Código Tributário Nacional, que assim dispõe:
“Art. 133. A pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual, responde pelos tributos, relativos ao fundo ou estabelecimento adquirido, devidos até à data do ato:
I – integralmente, se o alienante cessar a exploração do comércio, indústria ou atividade;
II – subsidiariamente com o alienante, se este prosseguir na exploração ou iniciar dentro de seis meses a contar da data da alienação, nova atividade no mesmo ou em outro ramo de comércio, indústria ou profissão.”
De qualquer maneira, para minimizar os riscos inerentes à sucessão empresarial, é fundamental estipular cláusulas no contrato de compra e venda estabelecendo a responsabilidade da empresa vendedora (inclusive de seus sócios e administradores, solidariamente) por eventuais passivos que forem exigidos do comprador (investidor) após o fechamento do negócio. Sendo que, se possível, é importante inclusive estabelecer no contrato garantias reais que devem ser concedidas pela empresa vendedora, visando assegurar eventuais prejuízos suportados pelo comprador (investidor) em caso de sucessão empresarial.
Além deste aspecto de suma importância, vejam outras questões que devem ser devidamente reguladas no contrato de compra e venda, para trazer segurança jurídica tanto ao comprador, quanto à vendedora, a saber:
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Em se tratando da carteira de clientes de uma empresa de telecomunicações e internet, nota-se em muitos casos que o número de clientes informado quando do fechamento do negócio, por diversos motivos, não corresponde à realidade quando da efetiva migração dos clientes. Por este motivo, é fundamental estipular no contrato uma cláusula estipulando qual o valor que será considerado por cada cliente (valor individual), para fins de abatimento do preço final (caso não ocorra a efetiva migração de todos os clientes)
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Ainda quanto a carteira de clientes, deve-se tomar cuidado em relação aos clientes que estejam em situação de inadimplência, bem como aos clientes que se utilizam dos serviços de internet e telecomunicações gratuitamente (por concessão da empresa vendedora, muitas vezes motivado por vínculo familiar, amizade ou permuta). Clientes em tais condições são usualmente inseridos no número total de clientes objeto da compra e venda, mas, certamente, não trarão receitas para o comprador futuramente, motivo pelo qual é importante inserir no contrato uma cláusula no intuito de excluir clientes em tais condições da carteira de clientes que foi efetivamente adquirida.
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É importante estipular em contrato um período de transição, no qual ambas as partes (vendedora e comprador) empreenderão os melhores esforços para permitir que a migração dos ativos, fundo de comércio, marca e carteira de clientes ocorra da melhor maneira possível. Este período de transição deverá ser bastante e suficiente à solução de todos os problemas que usualmente ocorrem com a migração dos ativos, fundo de comércio, marca e clientes.
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Após o fechamento do negócio, nota-se que os sócios e administradores da empresa vendedora, por já possuírem expertise no negócio de internet e telecomunicações, têm uma grande tendência a iniciar uma nova operação no mesmo segmento, passando a atuar como concorrente do comprador. Esta prática deve ser taxativamente vedada no contrato de compra e venda, com a estipulação de uma cláusula de não concorrência, inclusive estabelecendo um período em que esta não concorrência deve ser cumprida, bem como o respectivo território em que a não concorrência deve ser observada.
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Outro aspecto de suma importância diz respeito aos empregados da empresa vendedora. É importante estabelecer no contrato uma cláusula responsabilizando a vendedora pela demissão dos funcionários e pagamento/recolhimento de todos os encargos e ônus decorrentes. Esta obrigação deve persistir ainda que o comprador tenha em mente utilizar parte ou todos os funcionários na nova operação.
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Outra questão que deve ser devidamente regulada no contrato de compra e venda é relacionada à locação dos imóveis em que a empresa vendedora possui sua sede ou estações (torres e equipamentos de telecomunicações). É importante prever no contrato como se dará a migração dos contratos de locação em favor do comprador, e principalmente, qual parte deve se responsabilizar pelos ônus de rescisão dos contratos, caso algum locador crie dificuldades quanto a migração de qualquer contrato, e ainda, caso a sede ou alguma estação seja descontinuada pelo comprador.
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A confidencialidade das informações é também fundamental, sobretudo para evitar que a vendedora repasse a terceiros informações relacionadas ao know how, ativos, fundo de comércio e carteira de clientes, bem como evitar que a vendedora ou o comprador divulgue a terceiros informações do próprio negócio fechado diante do comprador.
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Devem ser estipuladas cláusulas de penalidades e rescisão contratual em virtude do descumprimento de cláusulas por quaisquer das partes. Sendo que determinados tipos de descumprimentos contratuais devem possuir penalidades mais elevadas, como o caso do descumprimento da cláusula de não concorrência, eis que alguns descumprimentos podem ensejar maiores danos de parte a parte.
Estes são apenas alguns cuidados que devem ser tomados quando da concretização do negócio de compra e vende de uma empresa de internet e telecomunicações. Sendo que outros cuidados devem ser explicitados em contrato, levando-se em consideração caso a caso.
Além destes cuidados, é importante consignar que algumas operações de compra e venda de empresas de telecomunicações (com transferência de controle societário) devem ser objeto de prévia aprovação por parte da ANATEL, especialmente aquelas em que as partes envolvidas na operação se enquadram nas condições dispostas no Artigo da Lei nº 12.529/2011. Em outros casos, porém, há a necessidade de apenas informar à ANATEL a transferência de controle societário, no prazo máximo de 60 (sessenta) dias.
Paulo Henrique da Silva Vitor
Advogado e Consultor Jurídico
Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados Associados.
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