No final de 2017, a Câmara ABRINT Mulher participou de uma pesquisa internacional, orquestrada pelo Departamento de Estado Norte-Americano, chamada “Desafio WomenConnect”. O propósito do desafio era conhecer soluções capazes de melhorar a participação das mulheres no dia a dia, mudando significativamente a maneira como mulheres e meninas acessam e usam a tecnologia, em prol da saúde, educação, trabalho e meios de subsistência para si e suas famílias. Foram mais de 500 contribuições, de 89 países diferentes. O resultado foi tão rico, que o Departamento de Estado aprofundou o debate e aqui estamos para compartilhar um pouco das ideias com cada um de vocês.
Sabemos que nosso século é marcado por uma disrupção tecnológica, em que a inovação depende de uma rede de internet neutra, que agregue confiança, alcance e alta disponibilidade. Enquanto isso, no mundo, 250 milhões de mulheres a menos que homens estão online e mais de 1.7 bilhão de mulheres ainda não tem um telefone móvel celular. Parece um tanto incompatível, não? Na realidade, enquanto houver esse gap digital, o progresso político, econômico e social restará negativamente impactado. E pior: esse gap acelera o aumento de práticas discriminatórias, inclusive violentas, contra mulheres. Hoje, mais do que nunca, as práticas na esfera online reforçam a desigualdade offline e, para complicar o cenário mundial, em 74% dos países, a imposição da lei nas duas esferas se dá de maneira muito distinta.
Para reduzir esse gap, devemos clamar pelo papel, ainda tímido, do setor privado: você sabia que os ISPs são parte ativa em menos de 1/3 dos casos reportados de violência online? Agora, nossa provocação: o seu provedor já consegue identificar os usuários dos IPs adequadamente? Ou continua insistindo no NAT, esperando o mundo mudar? Não se engane, a mudança vinda de nós é menos dolorida que a mudança imposta pelos outros.
Que tal, então, conhecer um pouco das iniciativas privadas, vencedoras do Desafio WomenConnect?
O programa AFCHIX (www.afchix.org), um dos vencedores, cria oportunidades empresariais para mulheres rurais no Senegal, Marrocos, Quênia e Namíbia para administrar ISPs locais e trabalhar como engenheiros de rede. Esta iniciativa contribui para melhorar a conectividade e capacitar as comunidades para estabelecer e manter a infraestrutura de telecomunicações, bem como fomenta o empreendedorismo das mulheres em suas próprias empresas.
O Programa “Equal Access International” (www.equalaccess.org) advém da luta contra a proibição sociocultural Nigeriana de uso da internet e de smartphones pelas mulheres. Através do desenvolvimento de programas de rádio e ativismo junto aos líderes das comunidades, o programa busca quebrar estereótipos de gênero, desafiar tabus culturais e promover habilidades e oportunidades para mulheres e meninas usarem a tecnologia digital.
Na Índia, o gap digital é muito marcante especialmente nas classes mais pobres da população. Os programas Gram Vaani (www.gramvaani.org) e o “Institute for financial management and research” (http://ifmr.ac.in/) apostam na disponibilização de smartphones e no desenvolvimento de plataformas móveis de compartilhamento de notícias e experiências pessoais sobre direitos trabalhistas, saúde materno-infantil, oportunidades de subsistência, direitos humanos e políticas governamentais. Essa plataforma permite que as mulheres aprendam com seus pares, expressem com segurança as suas preocupações e discutam soluções coletivas para seus desafios mais prementes.
A partir de janeiro de 2019, os programas vencedores serão escalonados às comunidades maiores e testados à exaustão.
Parece muito claro que esse nosso século navega com um novo modus operandi das relações pessoais e das iniciativas comunitárias. Vivemos no Brasil um modelo diferenciado de governança da rede, caracterizada também pela expansão dos provedores regionais e pelo seu papel de universalização efetiva da banda larga. Enquanto protagonistas desse desenvolvimento, não podemos deixar de lado tais reflexões sobre o gap de gênero digital e sobre como agir diante dessa constatação.
As mulheres já ocupam postos nos tribunais superiores, nos ministérios, no topo de grandes empresas, em organizações de pesquisa de tecnologia de ponta, pilotam jatos, comandam tropas, perfuram poços de petróleo. E constroem e gerenciam redes de telecomunicações.
Por que são mulheres? Não. Porque são competentes e a competência independe de gênero.
A meritocracia, enquanto critério lógico de ordenação social, é absolutamente distinta da meritocracia enquanto ideologia. No primeiro caso, o mérito é critério de ascensão social, devidamente medido, pautado em pressupostos democráticos de uma sociedade justa. No segundo caso, o mérito é um valor englobante, que condiciona a ascensão sem razão aparente, ou melhor, com uma razão “escondida”, calcada em preconceitos, sejam hereditários, sejam de gênero, sejam de status político-social. Façamos essa pergunta: nossas empresas se pautam ideologicamente ou se pautam em avaliações objetivas e honestas de desempenho?
A meritocracia enquanto critério lógico de ordenação social garante que as promoções e o reconhecimento público da mulher seja decorrente da observação real de capacidade e desempenho diferenciados. Dessa forma, a meritocracia alia igualdade de oportunidades à eficiência na seleção de pessoas e à democracia.
Que nossas empresas sejam, cada dia mais, democráticas. Simples assim.
Colunista Cristiane Sanches – membra da Câmara Abrint Mulher.