A Difícil Missão de um Empreendedor ISP
Enviado em 01.11.2019

A Difícil Missão de um Empreendedor ISP

É de conhecimento comum que, no Brasil, são inúmeras as dificuldades e desafios enfrentados por um empreendedor.

É de conhecimento comum que, no Brasil, são inúmeras as dificuldades e desafios enfrentados por um empreendedor.

Dentre as dificuldades usuais a todo e qualquer tipo de negócio, destacam-se a elevada e complexa carga tributária, a burocracia relacionada ao cumprimento de todas as exigências do Poder Público e o altíssimo custo trabalhista.

Como responsável há mais de 10 anos pela consultoria jurídica prestada a inúmeras empresas atuantes no segmento ISP, dos mais variados portes, posso dizer sem demagogia que as dificuldades e desafios enfrentados por um empreendedor ISP são ainda maiores.

A começar pelo fato da prestação dos serviços de telecomunicações, necessária a suportar os serviços de internet, constituir uma atividade regulada pelo Poder Público, especialmente pela Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL.

Sendo que diversos fatores de uma prestação de serviços são tutelados pela Agência Reguladora, como o atendimento ao assinante, o prazo de reparo, as condições de fidelização do assinante, as garantias inerentes à velocidade de conexão, as condições de suspensão ou rescisão dos serviços, dentre outros.

Apesar de existirem regras de assimetria regulatória que aliviam determinadas obrigações em relação as micro prestadoras (até 5.000 assinantes) e prestadoras de pequeno porte (grupos com menos de 5% do mercado em que atua), é certo que algumas obrigações previstas nos regulamentos de cada tipo de serviço (SCM, STFC, SEAC, dentre outros) e no RGC (Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações) ainda trazem prejuízos excessivos a um empresário ISP, inclusive aquele de pequeno porte.

Como exemplo, citam-se as regras de suspensão (parcial e total) e rescisão dos serviços, em caso de inadimplência de um assinante. De acordo com os prazos e condições estabelecidas nos Artigos 90 e seguintes do RGC, uma operadora de telecomunicações deve aguardar vultosos 75 dias, ao todo, para que o serviço possa ser, de fato, totalmente rescindido.

Isto porque, pela regulamentação: a) Uma vez constatada a inadimplência, deve-se notificar o cliente com 15 dias de antecedência, alertando-o da suspensão parcial (redução da velocidade); b) Somente após 30 dias da suspensão parcial, é que os serviços podem ser suspensos totalmente; c) E somente após 30 dias da suspensão total, é que o contrato pode ser rescindido.

Trata-se de um prazo que, certamente, penaliza em excesso a prestadora dos serviços, sobretudo se considerarmos que, muitas vezes, o empreendedor ISP sequer recuperou os investimentos feitos em relação a ativação do cliente que se tornou inadimplente.

Além das injustiças e excessos cometidos pela regulação atual, destacam-se os problemas enfrentados por um empreendedor ISP em relação a utilização (compartilhamento) dos postes administrados pelas companhias de energia elétrica.

Ora, como é de notório conhecimento, para a prestação dos serviços de internet via fibra óptica (ou outro meio confinado), o empreendedor ISP necessita dos postes administrados pelas companhias de energia elétrica. Estas, por sua vez, cobram valores absurdos pela utilização de cada poste, mesmo havendo a previsão de um preço muito inferior em resolução conjunta editada pelas Agências Reguladoras de ambos os setores (ANATEL e ANEEL).

As Agências Reguladoras, por sua vez, quando instadas a solucionar conflitos referentes ao preço cobrado pela utilização de cada poste, têm se mostrado totalmente morosas e instáveis. Reflexo disso são decisões recentes emanadas da Comissão formada pelas Agências Reguladoras, totalmente conflitantes com decisões anteriores e em nítida afronta à Resolução 004/2014.

Outro problema enfrentado por um empreendedor ISP, diz respeito ao relacionamento com o assinante do serviço.

O assinante muitas vezes ignora que o serviço de internet é um serviço tecnologicamente complexo, e que instabilidades ou quedas de conexão podem ocorrer por fatores alheios ao controle do empreendedor ISP, a exemplo de problemas com fornecedores de serviços, instabilidades climáticas, acidentes, vandalismos, intervenções de terceiros. E até mesmo, por problemas no computador, rede e equipamentos do próprio assinante.

Esta incompreensão leva, muitas vezes, a demandas judiciais totalmente infundadas, sobrecarregando cada vez mais o já esgotado Poder Judiciário.

E a atuação do Poder Judiciário em relação as demandas consumeristas, sobretudo dos Juizados Especiais, é também outro enorme desafio enfrentado por um empreendedor ISP.

Em razão, especialmente, do protecionismo excessivo ao consumidor e da sobrecarga de processos (o que acaba reduzindo o tempo necessário para uma perfeita compreensão de cada caso), muitas decisões injustas têm sido proferidas pelo Poder Judiciário, penalizando empresas que, a muito custo, levam conectividade aos lugares mais remotos do Brasil.

Há muito se alerta para a “indústria do dano moral”. E no caso do segmento ISP, não é diferente. Já existem vários casos de condenações de danos morais em valores totalmente abusivos que, na verdade, representam verdadeiro enriquecimento sem causa do assinante.

Sendo que, na grande maioria das decisões, não há uma adaptação do valor dos danos morais à capacidade financeira do empreendedor ISP, eis que muitas vezes uma empresa de pequeno ou médio porte é condenada a pagar o mesmo valor atribuído em condenações dirigidas às grandes operadoras.

Mas, acima de todos os problemas já narrados ou que venham a ser abordados ao longo do presente artigo, certamente o maior problema e desafio é de ordem tributária, sobretudo em relação ao empreendedor ISP que já tenha faturamento incompatível com o Simples Nacional.

No tocante a temática tributária, além dos elevados tributos que recaem sobre a folha de pagamento, o maior problema enfrentado por um empreendedor ISP diz respeito ao ICMS, com alíquotas que variam de 25% a 37%, a depender do Estado de prestação do serviço.

Sendo que, além da elevada alíquota de ICMS, o empreendedor ISP sofre com as limitações impostas pela legislação no tocante aos créditos de ICMS, que acabam reduzindo substancialmente a possibilidade de creditamento e, por conseguinte, aumentando significativamente o ICMS a pagar.

Apenas a título de contextualização, uma operadora de telecomunicações, apesar de investir e reinvestir constantemente em infraestrutura e equipamentos (ativo imobilizado), pode aproveitar o crédito de ICMS em relação a este ativo imobilizado apenas parceladamente (dividido em 48 parcelas), pelas regras do Livro CIAP. Além disso, continua vedado, até 31 de dezembro de 2019, o crédito de ICMS dos bens adquiridos para uso e consumo, com possibilidade desta vedação ser novamente prorrogada.

E se não bastasse o alto impacto do ICMS sobre os serviços de telecomunicações, a Fiscalização Tributária vem adotando interpretações totalmente errôneas e tendenciosas, com o propósito de tributar qualquer outro serviço ou atividade disponibilizada ao assinante paralelamente ao serviço de telecomunicações, a exemplo do serviço de conexão à internet (serviços de valor adicionado), locação de equipamentos, dentre outros.

Além de todo o exposto, não podem passar despercebidos os desafios de ordem técnica e tecnológica, como a necessidade de atualizar constantemente sua infraestrutura e equipamentos visando possibilitar taxas de velocidade cada vez maiores, bem como visando reduzir o custo operacional.

E não podem ser desconsiderados os problemas de ordem concorrencial, eis além de concorrerem entre si, as pequenas e médias empresas atuantes no segmento ISP sofrem ainda, em muitas localidades, com a voraz concorrência das grandes operadoras, com poderio econômico e financeiro absolutamente superior.

E este abismo econômico é agravado devido a vantagens proporcionadas às grandes operadoras pelo próprio Poder Público, a exemplo da isenção das vultosas multas aplicadas pela ANATEL, tendo como contrapartida investimentos na própria infraestrutura das grandes operadoras. Completo absurdo.

Após a presente contextualização, penso que o presente Artigo é de leitura obrigatória não apenas pelos empresários atuantes no segmento ISP, que certamente irão se familiarizar com muitos dos problemas narrados.

Mas, também, é de leitura obrigatória pelos Juízes Consumeristas, antes de condenar um empreendedor ISP em danos morais elevadíssimos, muitas vezes amparados apenas em meras ilações do consumidor, ou em fatos eventuais que não desabonam o serviço como um todo.

E também, é de leitura obrigatória pelos Agentes de Fiscalização e Autoridades Fazendárias, antes de interpretar que todas as atividades e serviços prestados por um empreendedor ISP devem sofrer o maior peso tributário possível.

E ainda, é de leitura obrigatória por todos os cidadãos interessados em ter uma conexão à internet em sua casa ou trabalho, antes de difamar ou processar judicialmente a empresa devido a uma queda de conexão eventual, ou outro fato totalmente compreensível.

Paulo Henrique da Silva Vitor – Advogado e Consultor Jurídico, Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Advogados Associados

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