O Projeto da Lei de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, popularmente conhecido como “PL das fakenews” (PL n. 2.630/2020), proposto pelo Senador Alessandro Vieria, tem inegavelmente um nobre objetivo, que é o combate à disseminação de desinformação, algo que cresceu assustadoramente nos últimos anos e com enorme potencial de desvirtuar a verdadeira vontade social se usada, por exemplo, nas eleições.
Sem qualquer intenção de apontar verdades absolutas, este artigo também não pretende entrar no mérito da constitucionalidade do projeto de lei, muito menos fazer qualquer avaliação sobre o cenário das “fakenews” no Brasil. O objetivo é tão somente permitir uma reflexão sobre o assunto, pois pelo “andar da carruagem”, a proposição legislativa poderá causar sérios impactos a direitos fundamentais como a liberdade de expressão, a garantia da livre iniciativa e a liberdade econômica.
A desordem da informação pode ser promovida por diversas formas. A partir da informação errada, aquela informação falsa que foi compartilhada sem a intenção de provocar danos. Pela desinformação, ou informação falsa compartilhada com o intuito de provocar danos. Ou ainda, pela má informação, aquela informação verídica que foi compartilhada para provocar danos, na maioria das vezes trazendo informações privadas para conhecimento da esfera pública.
Dessa forma, façamos uma pequena correção inicial e sejamos imparciais com nossos canais de comunicação. O termo “fakenews” tem sido utilizado de forma tão ampla, que ao colocar todas as modalidades de desordem de informação no mesmo caldeirão e rotular inúmeros problemas com um único termo genérico, perdeu-se o sentido da expressão. Este termo impreciso pode nos levar na contramão do avanço necessário.
Não tenho dúvida de que o combate à desinformação passa por uma mudança na sociedade, no sentido de torná-la mais consciente dos prejuízos inerentes à propagação de desinformação. Mas além da conscientização social, caberia ao Estado regular a disseminação da desinformação? O direito seria capaz de regular a verdade, a mentira ou abranger questões morais por meio de seus atos normativos?
Um ponto crítico que nos chama atenção é o descompasso do Projeto de Lei com o próprio Marco Civil da Internet. No tocante aos provedores de aplicações, dispõe o projeto de lei que estes devem ser mais ativos e responsáveis no momento de eliminar conteúdos enganosos.
Dessa forma, o projeto de lei extrapola o Marco Civil da Internet e a própria Constituição Federal. O instrumento de monitoramento previsto no PL poderá intervir na privacidade, liberdade e intimidade do usuário e dá ao provedor de aplicação o poder de ser “juiz” do que é ou não é desinformação. Atualmente o MCI prevê a responsabilização do provedor de aplicação apenas se ele descumprir uma ordem judicial de retirada de um conteúdo que por algum motivo tenha considerado ilegal pela Justiça.
Além de alterar as regras previstas no Marco Civil da Internet, as novas responsabilidades colocam outro ponto de atenção. Tais medidas poderão inviabilizar a operação no país dos atuais e novos serviços na Internet em virtude do alto custo necessário para implementar as novas obrigações, o que de fato poderia impactar de forma negativa no desenvolvimento da inovação em todo o território nacional.
A definição de desinformação é outro ponto que causa preocupação. O projeto não conceitua de forma satisfatória, trazendo em seu texto uma definição ainda abstrata e imprecisa causando de certa forma insegurança jurídica e menos liberdade para o usuário, o que seria um retrocesso.
A nova lei pode ser um grande avanço, na medida em que crimes ocorrem de forma crescente e permanecem encobertos pelo anonimato. Mas, por outro lado, a iniciativa legislativa precisa avançar de forma valorativa a partir de um amplo debate com toda a sociedade. No fundo, o debate que está posto é como combater as “fakenews” e ao mesmo tempo preservar os direitos fundamentais. Eu não tenho essa resposta e acredito que o PL 2.630/2020 também não a tenha.
Daniele Frasson – Advogada e Consultora Jurídica em Direito das Telecomunicações e TICs. Assessora Jurídica na ABRINT, Sócia-Fundadora da COSTA FRASSON ASSOCIADOS.