A expansão acelerada dos PPPs nos últimos anos motivou uma série de mudanças no segmento. A principal delas talvez tenha sido de ordem econômica. ISPs que atuavam fora dos grandes centros começaram a atrair capital, vivenciaram uma intensa onda de fusões e aquisições e passaram a compor fundos de investimento especializados no setor. Faltavam, porém, os investidores estrangeiros.
No entanto, isso começa a mudar. Em meados de 2021, o grupo Conexão, que fornecia banda larga a mais de 500 mil clientes nas regiões Norte e Sudeste, foi comprado pelo fundo norte-americano Grain Management. Já neste ano, o Digital Bridge, também dos Estados Unidos, adquiriu o controle da Mundo, ISP chilena que fornece mais de 3 milhões de conexões de Internet rápida. A aquisição no mercado chileno não faz sombra ao interesse que o grupo tem pelo país, onde a Digital Bridge – que chamou a atenção com sua oferta pelos ativos da Oi – está presente desde 2019, após a aquisição da Highline, especializada na construção de infraestrutura para operadoras móveis. O Brasil também é sua base de operações na América Latina.
Parte desse movimento é atribuído à aprovação da Lei 14.195/2021, em agosto de 2021, a qual, dentre outros, impede que o Poder Executivo imponha limites a participações adquiridas por não residentes no país em operadoras nacionais de telecomunicações.
Com recursos e favorecidos pelo câmbio, estrangeiros chegam a um segmento que, conforme especialistas, deve se manter em forte ascensão até 2026. Fazem-no, porém, com cautela. Em parte, por conta das regiões que os ISPs atuam – fora dos grandes centros, o que acrescenta mais ineditismo a quem vem de fora.
O que mais pesa nessa prudência, no entanto, é a legislação e a situação das empresas. Bem assessorados, estudarão muito antes de fazer aportes que aumentarão a competição e concentração nesse mercado. Desta forma, crescem os riscos para ISPs mal geridos.
E não são poucos que estão nessa situação. Isso fica evidente com os balanços sobre a banda larga divulgados pela Anatel. Pelo menos desde meados de 2021, a agência precisa retificar, a cada manifestação, os resultados, sempre pelo mesmo motivo: subnotificação de dados pelos ISPs que não cumprem os prazos das coletas da autarquia.
São dados preciosos para a Anatel, que busca mapear oferta e demanda de banda larga no país. Essas coletas eram realizadas pelo SICI (Sistema de Coleta de Informações), que foi substituído pelo DICI (Sistema de Dados, Informação, Conhecimento e Inteligência), há pouco mais de um ano. Com a mudança, a agência passou a solicitar dados mais condizentes com o momento do mercado. E, embora de preenchimento mais simples que o do antecessor, não reduziu a subnotificação que, possivelmente, venha a crescer.
Isso porque, desde junho, somente ISPs que dispõem de gestores cadastrados no Sistema de Informações Eletrônicas (SEI) da agência podem realizar o envio de dados para as coletas (mensal, semestral e anual) da Anatel. Ainda sem conhecer o impacto da mudança nos levantamentos, o autor deste artigo não tem razões parta ser otimista.
Esses envios – que têm prazos pré-estabelecidos – são algumas das obrigações assumidas por prestadores de Serviços de Comunicação Multimídia, Serviço de Acesso Condicionado, Serviço de Telefonia Móvel Comutada, entre outros. Quem não cumpri-las sujeita-se a advertências, multas e até cassação da outorga ou autorização.
Se o descuido com a parte regulatória – que tem consequências evidentes – não é raro no mercado, mais preocupante deve ser a situação administrativa dessas empresas. É verdade que há um movimento crescente de profissionalização, mas, não é sempre que isso ocorre. Desde o momento em que um ISP dispõe de algumas centenas de clientes, ele necessita usar softwares de gestão. Ocorre que muitos optam por soluções gratuitas que atendem a quaisquer segmentos. Desta forma, não realizam as rotinas específicas das telecomunicações, como emissão das notas modelos 21 e 22 e armazenamento de logs de conexão dos seus assinantes. Esse tipo de falta de zelo gera, ao longo dos anos, passivos significativos que, além de comprometer a existência do negócio, afastam investidores.
Obviamente, investidores que ingressam no país têm aversão a ativos com algum nível de irregularidade e passivos. Estar nessa situação significa expor-se, de forma crescente, à competição com concorrentes capitalizados, agentes fiscalizadores impacientes e ao fim de seu negócio. No momento que o mercado vive, dispor de boas redes, carteiras de clientes e faturamento não bastam para garantir a permanência no mercado no médio prazo. O gestor deve entender a transformação em curso e se preparar para enfrentá-la.
Autor: Fabio Vianna Coelho é engenheiro eletricista e sócio da VianaTel e da RadiusNet, especializadas, respectivamente, em regularização e software de gestão para provedores de internet.