As Fusões e Aquisições estarão ainda mais presentes em 2023 e as empresas perdem valor em questões aparentemente simples e muitas vezes por falta de conhecimento. Por estar extremamente envolvido em negociações no setor, resolvi escrever este artigo, dentre muitos pontos a observar vale destacar a importância das documentações de redes ópticas como um fator crucial que muitas vezes é desconsiderado pelas empresas do setor. Caso não saiba, o não cumprimento dessa etapa pode levar a impactos relevantes nos processos de M&A. É importante ressaltar que estamos nos concentrando especificamente em pendências documentais, e não na “regularização” da planta, uma vez que este tema já é bastante debatido e como sabemos é também de extrema importância e possui alto impacto nos processos de M&A.
Durante os anos que tenho participado diretamente nas negociações de Fusões e Aquisições no setor de telecomunicações, testemunhei diversas transações fracassarem devido a pendências de documentação de redes ópticas. Sabemos que a correção de uma documentação de rede física não é uma tarefa fácil, especialmente quando se trata de redes PON – isso porque são redes passivas, sem eletrônica, o que dificulta para um inventário automatizado e rápido. Para ter um mapa da planta é necessário mobilizar equipes externas e internas e realizar levantamentos em campo, atualizações em projeto no BackOffice, atualizar o cadastro, o que torna o processo complexo e demorado.
O tamanho da rede externa e a diferença entre o que está documentado do que está fisicamente implantado impactam diretamente na duração e no custo dos inventários necessários. Em muitos casos, esses inventários podem levar meses para serem concluídos e exigem investimentos significativos. No entanto, é importante destacar que, apesar desses desafios, o não investimento nessa área pode sair ainda mais caro para as empresas, pois uma vez identificado a falta de documentação adequada em um M&A os investidores certamente aplicarão descontos que podem ser significativos no valor da empresa-alvo. O motivo é simples, a falta de documentação resultará em um aumento nos custos de capital (CapEx) para os investidores, uma vez que será necessário investir em inventários físicos na infraestrutura da rede.
Para os investidores é essencial que esta avaliação seja feita, por isso, o processo de auditar as documentações são exigidos frequentemente durante as diligências. As auditorias se tornaram cada vez mais minuciosas, especialmente quando se consideram que as operações de banda-larga já possuem uma longa história de atuação com infraestrutura óptica, pois à medida que o tempo passa, as possibilidades de falhas de atualização aumentam. Também é importante lembrar que muitas operações cresceram através do inorgânico (M&A). Em vários casos, as novas aquisições não integram as bases de cadastro ou realizam inventários nas redes das empresas adquiridas. Ao comprar ou se fundir com uma empresa nessas condições, o investidor acaba sofrendo as consequências, assumindo as falhas nas documentações da rede orgânica da empresa adquirida, além de lidar com as faltas de padrões documentais das redes provenientes das fusões e aquisições anteriores.
Veja na tabela 1 como estes fatores podem gerar problemas ao investidor.
Infelizmente, muitos ISPs ainda enfrentam desafios significativos relacionados à documentação de suas redes ópticas. Em muitos casos, as informações sobre a rede dependem exclusivamente da memória de técnicos ou proprietários, sem que haja as informações de projetos atualizadas em sistemas de cadastro de documentações. Essa dependência excessiva de pessoas representa um risco, potencializado quando uma nova gestão assume a empresa. É ainda mais preocupante em um setor altamente competitivo como o de telecomunicações, onde os assédios de mercado são frequentes e a continuidade dessas “pessoas-chave” na operação pode ser comprometida. Ademais, cada profissional pode ter abordagens diferentes e maneiras distintas de executar tarefas, o que pode resultar na falta de padrões e inconsistências nos resultados.
Durante inúmeras negociações observei sócios e diretores de ISPs, por falta de conhecimento, informarem que possuem 100% da rede documentada, sem conhecimento dos problemas básicos que afetam diariamente a operação. Enxergavam apenas um tipo de documentação e, por isso, acabam desconsiderando informações importantes sobre a rede. Porém quando se trata de documentação de planta externa precisamos separar em três níveis distintos e que devem estar corretamente registrados nos ISPs: 1) Mapa de rede física, 2) diagrama multifilar de emendas e 3) documentação de portas de atendimento (CTO > Cliente).
O mapa de rede física é fundamental, possibilita que o investidor saiba exatamente o que está comprando, onde essa rede está acomodada em nível de caixas, cabos, PoP(s) e demais elementos de redes ópticas e, a partir disso, trace estratégias de crescimento dessa nova unidade adquirida, identifique sobreposições e sinergias com seus negócios atuais e tenha segurança que está investindo em algo sólido. Além dos impactos operacionais, bem conhecidos pela maioria, que a falta de um mapa atualizado das redes ópticas pode gerar.
A documentação porta-cliente também possui altíssimo impacto nos processos técnicos de M&A, visto que essa informação afeta fortemente o operacional (dia a dia) da empresa, pois indica a escalabilidade da base com infraestrutura atual, níveis de ocupação e ociosidade, direcionando as ações de vendas. Operações que não possuem este tipo de documentação acabam sendo impactadas com inviabilidades no pós-venda e/ou deixando dinheiro na mesa, perdendo a oportunidade de ativar cliente pois acreditam que as caixas estão completas enquanto em diversos casos os cabos drops estão desativados. A falta dessa documentação também ocasiona investimentos em crescimento de portas, ampliações de rede desnecessárias além das dificuldades em manutenções etc.
Por último e também importante documentação de diagrama multifilar de emendas, que indica as interligações e ocupações dos capilares, essa pendência também tem forte impacto em manutenções, análises de escalabilidade da rede, estratégias de utilização ou rentabilização das fibras apagadas (SWAP, IRU) etc.
Cada um destes níveis de documentações em uma escala considerável, geram grandes esforços de atualização e consequentemente alto dimensionamento de CapEx para adequações durantes as diligências. Geralmente os investidores consideram valores médios de mercado, com empresas terceiras, empreiteiras especializadas nestes inventários para precificar o custo dessas atualizações. Esse cálculo de serviço normalmente gera um preço maior, comparado por exemplo com ISP realizando previamente este trabalho, este preço maior possivelmente será descontado do valor da empresa.
Espero que possa ter enriquecido o tema das documentações, reconhecendo que estes documentos não são apenas uma tarefa burocrática, mas sim um aspecto fundamental para a garantia da qualidade de serviço, velocidade operacional, satisfação do cliente e que faz uma forte diferença em estratégias de M&A. Recomendo que as empresas se preparem para investir em documentação de alta qualidade, incluindo softwares eficientes para gerenciar e atualizar essas informações de forma otimizada, mantendo as informações fidedignas com a infraestrutura real existente. Com essa prática a empresa garantirá a integridade e confiabilidade das redes. Uma documentação completa e precisa da planta externa pode fornecer uma vantagem competitiva no mercado, dando segurança aos possíveis investidores, aumentando o valor da empresa e facilitando o processo de M&A.
Carlos Eduardo Bampi, Sócio Diretor da IPv7, atua há mais de 10 anos no mercado de telecomunicações, a frente de diversos Projetos de Redes Ópticas, Auditorias, Due Diligence, Inventários e Laudos Periciais.