Vamos falar da agenda regulatória da ANATEL e do seu Plano de Gestão Tático, sem perder de vista um contexto maior: as iniciativas de acessão à OCDE e a construção de uma política regulatória nacional capaz de garantir ações de fomento, controle e coordenação do uso dos instrumentos de política regulatória. O processo de adesão formal à OCDE vem sendo construído desde o início da década de 1990, mas foi apenas em janeiro de 2022 que o Brasil recebeu o convite formal de instauração do processo de ingresso à Organização.
Além de outros aspectos, ainda se discute qual será a entidade ou órgão capaz de institucionalizar e controlar a agenda de qualidade regulatória do Brasil. Para a OCDE, esse órgão deveria ser apartado e independente das próprias instituições que produzem as normas regulatórias. Por enquanto, quem vinha realizando essa função era o Ministério da Economia, mas certamente haverá mais debate e questionamentos futuros.
O nosso setor de telecomunicações já passou por um longo processo de peer review, em 2019, contando com a participação ativa da ABRINT. Na ocasião, se buscou uma avaliação técnica realizada por países membros da OCDE, por meio de trocas de experiências e aproximação com padrões e princípios estabelecidos pela Organização.
Ao lado dos desafios impostos pela OCDE, tanto essa Agenda regulatória, quanto esse Plano de Gestão Tático atuais da ANATEL foram construídos com base na apreciação da proposta elaborada pela Consultoria Roland Berger, no âmbito da cooperação técnica internacional da ANATEL com a União Internacional de Telecomunicações (UIT), referente ao planejamento estratégico da ANATEL para 2023-2027.
Há praticamente 10 anos, teve início o primeiro processo de planejamento estratégico da ANATEL, com foco, à época, na reestruturação normativa da Agência por meio da edição de um novo regimento Interno, bem como na capacitação dos servidores da Agência com base em cenários prospectivos. Havia uma clara preocupação em relacionar a nova organização do Regimento Interno quanto à divisão de competências baseada em processos (e não mais pela natureza dos serviços) e a qualificação dos servidores públicos. Também, boa parte da ênfase dos temas envolvia a revisão dos contratos de concessão do STFC e a preocupação com a queda de preços por meio do PGMC.
A sequência dos trabalhos passou a fazer uso das melhores práticas gerenciais, incluindo a determinação dos objetivos estratégicos, a definição de iniciativas concretas para o seu cumprimento e a avaliação contínua por indicadores de desempenho.
Partiu-se de um contexto situacional distinto, de crescimento da banda larga móvel e da banda larga fixa, em detrimento do serviço STFC. Nesse momento, a Agência passou a se preocupar, mais fortemente, com o contexto da política pública e vimos o advento do Plano Estrutural de Redes de Telecomunicações (PERT) e dos novos mecanismos de coleta de dados sobre infraestrutura e acessos.
Agora, o novo trabalho desenvolvido pelo consórcio firmado entre a Roland Berger apontou claramente pela absoluta transformação do mercado de telefonia fixa e a ascensão crescente da banda larga móvel (com destaque para a penetração do serviço e perfil de consumo) e da banda larga fixa (com destaque para o aumento do número de empresas Prestadoras de Pequeno Porte (PPPs), o incremento das conexões em fibra e o aumento da densidade em cada uma das regiões do país). O trabalho mostrou que, embora o crescimento pelo uso (e preferência de uso) de dados seja evidente no mercado, a inclusão não é plena e ainda restam caracterizadas desigualdades regionais e sociais que afetam parcelas específicas da população.
Buscando endereçar alguns desses desafios, a agenda regulatória da ANATEL contém todas as ações de normatização que serão conduzidas no biênio 2023-2024. Trata-se de uma importante ferramenta que traz previsibilidade, transparência e eficiência para o processo regulatório da Agência, possibilitando o acompanhamento pela sociedade e pelos entes regulados dos compromissos pré-estabelecidos pelo órgão regulador.
Todas essas ações de normatização passam pelas análises pré e pós consulta pública e AIR, por meio das áreas técnicas, procuradoria, Conselho Diretor e, em alguns casos, Conselho Consultivo. Já a priorização das ações regulatórias é estabelecida a partir da seguinte classificação: prioritárias, urgentes ou ordinárias. Ao longo dos anos, verifica-se uma tendência de simplificação regulatória que também é sentida nas agendas da ANATEL:
•2019-2020: 48 iniciativas
•2021-2022: 36 iniciativas
•2023-2024: 25 iniciativas e 3 ARR
Há itens da agenda classificados como prioritários, justamente pois estão em atraso nos trabalhos da Agência. Os destaques são:
- RGC – As mudanças no Regulamento Geral dos Direitos dos Consumidores são profundas e buscam flexibilizar o relacionamento entre operadores e usuários.
- RUE – A nova minuta do regulamento de uso de espectro, incluindo novas regras sobre uso eficiente e mercado secundário.
- Postes – Reavaliação da regulamentação sobre compartilhamento de postes entre distribuidoras de energia elétrica e prestadoras de serviços de telecomunicações: a tão esperada minuta de nova resolução conjunta.
Já os itens prioritários, que estão em dia, mas que exigem atenção, são:
- Reavaliação das regras aplicáveis às redes comunitárias.
- Final das concessões STFC em 2025: a ANATEL agora está empenhada em alinhar as expectativas do Conselho Diretor com o TCU (sobre saldo das migrações, discussão sobre reversibilidade e impacto das arbitragens), elaborar o edital de licitação para a outorga da STFC e reavaliar as regras relacionadas ao STFC (caso se mantenha sob em regime público).
- Simplificação da regulamentação e dos serviços de telecomunicações e guilhotina regulatória 2023-2024: esses itens da agenda abordam inúmeros temas regulatórios, desde a consolidação de serviços e outorgas, até a avaliação de assimetrias e serviços equivalentes e substitutos. Quanto às assimetrias, ao fazer o diagnóstico da situação atual para destacar os principais desafios e oportunidades do Plano de Gestão Tático, a Agência apontou as PPPs têm contribuído para a expansão do acesso à banda larga fixa, inclusive em regiões relativamente menos atrativas em termos de Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Produto Interno Bruto (PIB) e população. Entretanto, apesar desse avanço, em abril de 2022, apenas 35,9% dos municípios brasileiros possuíam HHI (Índice de Herfindahl-Hirschman) inferior a 3800 pontos. Isso significa que a análise do conceito de PPPs e de assimetrias regulatórias passa pela análise da concentração de empresas em algumas regiões do Brasil e do crescimento das PPPs além dos limites que lhes garantem vantagens regulatórias e tributárias.
- Avaliação quanto à necessidade de regulamentação sobre deveres dos usuários dos serviços de telecomunicações: nesse ponto convém destacar a priorização dada pela ANATEL no que tange à discussão sobre regulação de plataformas e ampliação (ou não) da competência regulatória da Agência. Entendemos que o caminho adequado para estabelecer limites quanto à nova legislação brasileira que aborde responsabilidade de plataformas digitais e responsabilidade de intermediários irá ao encontro destas definições sobre a competência atual da Agência sobre os deveres dos usuários.
- Reavaliação da regulamentação de mercados relevantes (PGMC): destaque para tratamento de serviços equivalentes ou substitutos (OTT), regulação (mínima) de redes neutras e qualidade e acesso à espectro (ofertas de referência, talvez, mas dinamismo do mercado secundário, ainda improvável).
A mensagem é clara: teremos muitas pautas e debates pela frente.
A Câmara ABRINT Mulher é um movimento associativo empresarial, organizado por mulheres, com o objetivo de estimular as melhores práticas de gestão e fortalecer a participação das mulheres no setor de Telecomunicações.