A popularização do streaming e o volume de banda consumido por esse tipo de plataforma e outras de conteúdo audiovisual geram problemas a todos que fornecem acessos à Web. Considerando irrisório o valor que recebem pelo uso intensivo de suas redes por big techs com esse perfil – notoriamente, Netflix e Youtube –, TIM, Vivo e Claro têm atuado no Congresso em busca de mecanismos legais que lhes garantam a possibilidade de cobrança adequada por esse tipo de uso. Conforme a coluna Painel S.A., assinada por Julio Wiziack na Folha de S.Paulo, essas ações estariam concentradas na criação de uma nova lei que traria dispositivo com esse fim e na alteração do Marco Civil da Internet, para que este incorpore o chamado gerenciamento de tráfego.
Fora do país, a situação é semelhante. Na última edição do World Mobile Congress, realizado no início do ano em Barcelona, o que mais se ouviu foram grandes grupos de telecomunicações queixando-se que, como a atividade dessas empresas é viabilizada pelo consumo de parcela considerável de sua capacidade de transmissão de dados, elas deveriam participar dos investimentos em suas infraestruturas.
No evento, a Telefónica disse que é preciso haver colaboração entre big techs e indústria. A Deutsche Telekom alegou ter investido 55 bilhões de euros em redes ante 1 bilhão de euros dessas empresas. A Orange relatou dificuldades em obter retorno sobre a destinação de recursos a esse fim.
Do outro lado, também no WMC, Greg Peters, co-CEO da Netflix, rebateu as queixas afirmando que boa parte da demanda pelas redes das teles deve-se à qualidade do conteúdo produzido pelo grupo, o qual consumiu US$ 60 bilhões nos últimos cinco anos, razão pela qual descarta o investimento em redes.
Seja lá fora ou aqui no país, a discórdia entre empresas de Internet e teles deve-se ao novo padrão de uso do acesso à Web que, em transformação, invariavelmente, resulta sempre em maior consumo de banda. Isso afeta desde a rede de quem fornece conexão ao pacote de dados contratado pelo consumidor final e quase sempre compromete a qualidade do sinal contratado, o que resulta na perda de clientes para provedores de Internet.
Nos grandes centros, onde telefonia móvel e banda larga são praticamente universalizadas, a forma que as teles têm de obter novos clientes é tomando-os da concorrência. Embora os valores sejam fundamentais para que esse movimento ocorra, a insatisfação com os serviços é o que mais motiva a migração de usuários de uma companhia para outra.
Entre os ISPs, o quadro é semelhante. A expansão do segmento e, consecutivamente, da concorrência nos últimos anos reduziu consideravelmente o número de pessoas que não dispõem de conexões de banda larga, tornando a conquista dos que são atendidos por outros PPPs a principal – e, por vezes, a única – maneira que os provedores regionais têm de aumentar suas carteiras.
Motor da migração de clientes, a insatisfação com conexões à Internet é notória. Com índice de 7,07 numa escala de 0 a 10, a banda larga registrou a pior avaliação entre serviços de telecomunicações na última edição da Pesquisa de Satisfação e Qualidade Percebida, divulgada em março último pela Anatel. Para o estudo, a agência entrevistou, em 2021, 88 mil clientes de Claro, TIM, Vivo, Oi, Sky, Algar, Brisanet, Gigabyte, Mob, Unifique e Valenet.
Ocorre que essa insatisfação está longe de resultar exclusivamente da qualidade das ofertas das empresas. Deve-se, em grande medida, ao uso que se faz da Internet, principalmente a partir da pandemia. Ao mesmo tempo em que um imenso contingente de pessoas passou a trabalhar de suas casas e, por isso, a realizar, dentre outros, reuniões online, houve o boom do consumo de streaming. Num mercado onde a Netflix era hegemônica, surgiram concorrentes de peso como HBO Max, Amazon Prime, Apple TV+, Disney + e outros de portes variados. Também houve a popularização dos podcasts que, antes restritos a áudio, migraram, com imagens, para o Youtube. A isso, somam-se os jogos online que, além da banda, demandam baixa latência. Não raramente, várias dessas plataformas são acessadas, a partir de vários dispositivos conectados via Wi-Fi, simultaneamente, sobre um mesmo sinal.
Como áudio e vídeo consomem muita banda, há paralisações, instabilidade e quedas. E, mesmo que essas falhas se concentrem nos pacotes mais econômicos, a insatisfação acaba sendo direcionada a quem fornece a conexão. Na maioria dos casos, aos ISPs.
Mesmo sendo os principais responsáveis pela adição de 13,7 milhões de conexões de banda larga no país de 2018 até o ano passado, os ISPs não podem ser apontados como responsáveis pela insatisfação com a Internet rápida. Além de os seis provedores regionais que tiveram clientes ouvidos na pesquisa da Anatel registrarem as melhores avaliações sobre o fornecimento de acesso à Web, eles não servem para se mensurar a qualidade dos serviços dos PPPs, já que, conforme a Abrint, esses são 20 mil em todo o país. Mas é certo que esta é superior à das grandes operadoras.
Embora não disponham do poderio econômico das teles, são os ISPs que detêm a maior parcela do cabeamento de fibra óptica instalado. Respondendo por 51,6% das 45,7 milhões de conexões banda larga ativas contabilizadas pela Anatel em março, os provedores regionais disponibilizam 64,6% dos acessos viabilizados pela tecnologia – 88,9% dos que fornecem. Já as empresas resultantes da privatização do sistema Telebras concentram o cabeamento de cobre.
Além de comprometer a capacidade de transmissão de dados, as redes de cobre geram outros problemas até mais graves. Muito valorizado por conta de sua condutividade, o metal motiva furtos de cabeamentos que deixam usuários sem acesso, não apenas à Internet, mas até mesmo contato telefônico com serviços de emergência. Conforme a Conexis, entidade que representa, dentre outras, Vivo, Claro, TIM, Sercomtel e Algar, esse tipo de crime registrou crescimento de 14% no último ano, quando houve a retirada indevida de 4,72 mil quilômetros de cabos de telecomunicações, o que deixou sem serviços 7 milhões de cidadãos.
Por concentrarem a rede de fibra óptica, os ISPs possuem maior capacidade de transmissão de dados – estando mais aptos ao fornecimento dos níveis demandados por 4G e 5G para viabilizarem, dentre outros, a IoT – e, como o material não dispõe de valor nos ferros-velhos, ficam menos sujeitos que as teles a interrupções de serviços resultantes de furtos.
Mesmo assim, o uso intensivo dos sinais de Internet que fornecem faz com que essas empresas fiquem sujeitas a queixas, insatisfação e consequente perda de clientes, algo muito mais dramático para ISPs que para as grandes teles. Parte disso deve-se aos próprios provedores regionais.
Num mercado cada vez mais competitivo, os ISPs buscaram adicionar valor à oferta de banda larga inserindo em seus portfólios SVAs, principalmente o mais demandado deles, o streaming de vídeo. Ocorre que, se forem feitas sem planejamento e acompanhamento adequados, essas ofertas podem converter ganhos de receita e aumento de ticket médio no curto prazo em cancelamentos de contratos logo adiante. Para tanto, basta que os novos usos da Internet comprometam a qualidade do sinal o suficiente para que o usuário opte pela troca de fornecedor.
Ainda que essas situações se devam em parte às suas próprias ações, os provedores regionais não têm como administrar as escolhas de seus clientes, suas buscas por plataformas e conteúdos variados e os usos que fazem de suas conexões. Podem, porém, acompanhar a qualidade do sinal fornecido, o quanto de banda é utilizado pelo consumidor, garantir a oferta de bons serviços, orientar aqueles a que atendem e, assim, fidelizá-los, algo fundamental para ISPs, principalmente no atual movimento de concentração do mercado onde faturamento, carteira e ticket médio são as principais variáveis a atrair ou afastar investidores.
Se integrada ao sistema de gestão do provedor, a Business Intelligence possibilita o acompanhamento de todos os gargalos da operação para, a partir daí, corrigi-los e garantir a satisfação dos clientes. No caso do consumo excessivo de banda, pode-se visualizar em um único gráfico todos os chamados de usuários relacionados a lentidão, acompanhar as velocidades contratadas e de fato fornecidas e os históricos de consumo de dados, o que favorece, por exemplo, o convencimento para que as velocidades de pacotes sejam elevadas.
Sabendo, a partir dos dashboards (gráficos interativos da BI), em tempo real, que a velocidade de conexão do cliente é satisfatória, pode-se, dentre outros, orientar um consumidor queixoso sobre qual é a localização mais adequada para que o roteador distribua o Wi-Fi a maior número de cômodos de um imóvel. É algo que gera confiança e fidelização. Também é possível, com base nessas informações, sugerir a instalação de sistemas wireless, serviço que muitos provedores começam a oferecer.
Queixas também resultam, não raramente, de falhas na rede. Gestores podem tanto receber alertas do sistema sobre ocorrências desse tipo – por exemplo, por conta do nível de sinal fornecido a determinada região – quanto identificá-las e monitorá-las em tempo real por mapas. Desta forma, pode-se mobilizar equipes para a realização de reparos antes mesmo que os usuários deem conta de qualquer instabilidade.
No momento atual do mercado, perda de receita e redução de carteiras tornam-se fatores de difícil reversão e que podem tanto tornar o ISP incapaz de fazer frente à concorrência quanto desmotivar possíveis compradores. É nesse cenário que os novos hábitos de navegação fazem os usuários serem mais dependentes do acesso à Web e exigentes quanto à sua qualidade. Garantir sua satisfação demanda monitoramento constante do sinal que lhes é fornecido. Quando a carteira supera a primeira centena de clientes, a realização adequada desse acompanhamento só é possível com o uso da tecnologia.
Fábio Vianna Coelho é engenheiro eletricista e de segurança do trabalho. É sócio da VianaTel e do RadiusNet, especializados, respectivamente, em regularização e software de gestão para provedores de Internet.