Quando falamos sobre redes de telecomunicações é sempre importante ter em mente que tais infraestruturas são protegidas por lei federal e por normas regulamentadoras, em razão da sua utilização para prestação de serviços essenciais de interesse coletivo.
É em razão desta essencialidade, inclusive, que o estímulo à expansão do uso das redes de telecomunicações é dever legal do Poder Público, expressamente previsto na Lei Geral de Telecomunicações (Lei 9.472/97): * “Art. 2° O Poder Público tem o dever de: (…) II – Estimular a expansão do uso de redes e serviços de telecomunicações pelos serviços de interesse público em benefício da população brasileira.”*
Uma das formas de dar eficácia à previsão normativa acima foi positivar a obrigatoriedade do compartilhamento de infraestrutura de suporte (artigo 73 da Lei 9.472/97 e artigo 14 da Lei 13.116/15), definindo que as detentoras da infraestrutura em questão – por norma, as concessionárias de energia elétrica – somente podem negar o referido compartilhamento por ausência de viabilidade técnica (por exemplo: quando não houver mais ponto de fixação disponível no poste).
Em suma, todo o arcabouço legal que rege o compartilhamento de infraestrutura cuidou de evidenciar o objetivo estatal de promover o incentivo ao compartilhamento, com vistas à expansão das redes de telecomunicações, observando, sempre, o que ditam as normas legais e regulatórias.
O compartilhamento de infraestruturas, como é de conhecimento geral, representa o principal e mais efetivo meio que as empresas de telecomunicações têm para alcançar os seus clientes, principalmente através do lançamento da fibra óptica ao longo da sua área de atuação.
E por esta razão, atualmente as concessionárias de energia elétrica têm intensificado as fiscalizações das redes de telecomunicações, nas áreas de suas respectivas concessões, principalmente com foco em verificar eventual ocupação à revelia – antes da aprovação de projeto – por empresas de telecomunicações que possuem contratos de compartilhamento de infraestruturas.
No que concerne à possibilidade de fiscalização, obviamente, não há nenhuma insurgência das empresas de telecomunicações, porquanto a fiscalização é um dever das detentoras das infraestruturas previsto nas resoluções normativas.
No entanto, duas questões preocupantes referentes às fiscalizações das redes de telecomunicações se mostram cotidianas no cenário de compartilhamento de postes. A primeira é o desrespeito às normas regentes quanto ao procedimento que deve ser adotado pelas concessionárias de energia elétrica em caso de constatação de irregularidades na rede fiscalizada, e a segunda é a abusividade da multa aplicada para sancionar as empresas de telecomunicações, caso constatada eventual ocupação à revelia.
As concessionárias de energia elétrica estão realizando as fiscalizações das redes de telecomunicações sem a necessária observância das normas regulamentadoras. A previsão normativa determina que, antes da aplicação de eventual sanção/penalidade, deve ser concedido prazo hábil às empresas de telecomunicações para regularização das incorreções constatadas, o que não vem ocorrendo na prática.
A Resolução Conjunta n.º 004/2014 e a recente Resolução da ANEEL n.º 1.044/2022 prescrevem o dever das detentoras de notificar as empresas de telecomunicações para fins de regularizarem as irregularidades encontradas em campo. Veja: Resolução ANEEL n.º 1044/2022:
“Art. 12 O detentor deve notificar o ocupante sobre a necessidade de regularização da ocupação, nos termos do art. 4º da Resolução Conjunta ANEEL/ANATEL n.º 004, de 2014, sempre que for constatado:
I – descumprimento às normas técnicas e regulamentares aplicáveis ao compartilhamento; ou
II – ocupação à revelia. (…)”
Resolução Conjunta n.º 04/2014 da ANEEL e ANATEL:
“Art. 4º No compartilhamento de postes, as prestadoras de serviços de telecomunicações devem seguir o plano de ocupação de infraestrutura da distribuidora de energia elétrica e as normas técnicas aplicáveis, em especial: (…)
§ 3º As distribuidoras de energia elétrica devem notificar as prestadoras de serviços de telecomunicações acerca da necessidade de regularização, sempre que verificado o descumprimento ao disposto no caput deste artigo.”(Grifos nossos)
No entanto, apesar da clareza ímpar das normas retro citadas, o que tem sido visto na prática são notificações que determinam a retirada imediata dos cabos ou que concedem prazo exíguo (e insuficiente) para a regularização, e, em ambos os casos, as concessionárias de energia elétrica estão aplicando multa antecipadamente, em notória afronta às disposições contidas nos contratos de compartilhamento de infraestrutura.
É necessário ter em mente que a sanção pela ocupação da infraestrutura de suporte à revelia (antes da aprovação do projeto) é estipulada pela detentora da infraestrutura no contrato de compartilhamento de infraestruturas sem que haja possibilidade de questionamento por parte das empresas de telecomunicações.
Todos os players do setor sabem que não há nenhuma abertura para negociação das cláusulas do contrato de compartilhamento. E isso se dá em razão do quase monopólio exercido pelas concessionárias de energia elétrica em relação às infraestruturas de suporte na região em que atuam.
E, partindo desta premissa, a segunda questão que tem causado inúmeros transtornos às empresas de telecomunicações é o fato de as concessionárias de energia elétrica estipularem, unilateralmente, no contrato de compartilhamento de postes, uma multa equivalente a 100 (cem) vezes o valor cobrado por ponto compartilhado, por ponto utilizado sem autorização da concessionária, em caso de ocupação irregular verificada durante as fiscalizações das redes.
Tal questão tem gerado situações graves e preocupantes, pois as sanções aplicadas com lastro nesta cláusula abusiva têm produzido multas exorbitantes, que alcançam o patamar de milhões de reais, superando, muitas das vezes, o próprio faturamento das empresas.
Com efeito, importante deixar claro que o presente trabalho não tem o objetivo de questionar a legalidade da aplicação da referida penalidade. Pelo contrário, a pretensão é chamar atenção para a abusividade do estipulado na cláusula de multa em caso de constatada eventual irregularidade.
E, sobre este ponto, a Resolução Conjunta n.º 001/1999 (Anatel/Aneel), em seu artigo 15, inciso IV, veda a exigência de condições abusivas para a celebração do contrato de compartilhamento:
“Art. 15. Nas negociações entre os agentes não são admitidos comportamentos prejudiciais à ampla, livre e justa competição, em especial:
(…);
IV – exigência de condições abusivas para a celebração de contratos.” (G.n.).
Ora, com o devido respeito a entendimento distinto, mas a imposição de um fator de multiplicação de 100 (cem) vezes o valor do ponto de fixação, a título de multa, caso identificada alguma irregularidade nas redes de telecomunicações se mostra extremamente desproporcional e abusivo.
O que se deve ter em mente é que a possibilidade de fiscalização e de repressão à infração constatada é voltada, principalmente, a prevenir a ocorrência de novas infrações contratuais, não podendo servir como prêmio à concessionária de energia elétrica, sob pena de se caracterizar como enriquecimento ilícito.
Portanto, é salutar que as empresas de telecomunicações entendam os deveres e, principalmente, as obrigações que as concessionárias de energia elétrica possuem em decorrência do compartilhamento de postes. Isto, para que possam questionar eventuais abusividades praticadas pelas concessionárias em decorrência da relação comercial havida entre as partes.
Dr. Gustavo de Melo e Dr. Thiago Chaves,
Advogados e Consultores Jurídicos. Sócios da Silva Vítor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados gustavo@silvavitor.com.br thiago@silvavitor.com.br