O novo modelo de Telecomunicações – O que muda com a Publicação da nova lei
Enviado em 16.03.2020

O novo modelo de Telecomunicações – O que muda com a Publicação da nova lei

Em outubro deste ano, foi instituído o novo modelo de telecomunicações no Brasil pela conversão do PLC 79/2016 na Lei nº 13.879/2019, assim alterando a Lei Geral de Telecomunicações – LGT.

Em outubro deste ano, foi instituído o novo modelo de telecomunicações no Brasil pela conversão do PLC 79/2016 na Lei nº 13.879/2019, assim alterando a Lei Geral de Telecomunicações – LGT.

O texto sancionado pelo Presidente Jair Bolsonaro – exatamente o mesmo daquele aprovado pelo Senado na forma do PLC 79/2016 – trouxe importantes mudanças para o setor.

A partir da eficácia plena desta lei, que se iniciou na data de sua publicação – 04 de outubro de 2019 – passou a ser permitido que as concessionárias de telefonia fixa migrem para o regime de autorização. No caso de não optarem pela migração, as concessionárias poderão ter seus contratos renovados para além de 2025.

A mudança da concessão da telefonia fixa para o regime privado terá algumas condições e o Poder Executivo irá calcular o valor econômico dessa mudança, que será convertido em novos investimentos em banda larga.

Os investimentos que serão feitos após o referido cálculo deverão ser aplicados em redes de alta velocidade, em áreas sem competição, a serem definidas pelo Poder Executivo e pela Anatel.

Ainda, também será condição para a migração que as operadoras mantenham as ofertas comerciais da telefonia fixa em áreas sem competição.

Destaca-se que a mudança do modelo de telecomunicações do público para o privado vinha sendo discutida enfaticamente, tendo sido objeto de Consulta Pública do antigo Ministério das Comunicações já no ano de 2015.

Tudo isso se deu porque o antigo texto da LGT, foi publicado há mais de 20 anos e dava maior enfoque ao serviço de telefonia fixa, considerado naquele momento histórico como serviço indispensável à sociedade para garantir o acesso à comunicação.

Neste sentido, cabe ressaltar que na época da instituição da LGT, foi necessária a concretização de políticas públicas que visavam o fornecimento de telefonia fixa a toda população brasileira, o que se deu através de regime de concessão.

Entretanto, transcorridas aproximadamente duas décadas da criação da Lei Geral de Telecomunicações – LGT, a evolução tecnológica e comportamental dos consumidores mudou substancialmente o panorama setorial. Atualmente, é indiscutível que o consumo de dados ganha destaque em detrimento do consumo de telefonia fixa, inclusive sendo a sociedade atual chamada de sociedade digital.

Assim sendo, nada mais natural que a mudança do modelo de telecomunicações no sentido de possibilitar a mudança do regime de concessão para o regime privado, haja vista que o primeiro somente foi instituído para garantir o acesso da população à comunicação.

Outro ponto que foi tratado na nova lei e anteriormente muito discutido, diz respeito ao conceito de bens reversíveis, definido agora como ativos essenciais e efetivamente empregados na prestação do serviço concedido. Quando os ativos estiverem sendo empregados na prestação de múltiplos serviços, serão considerados apenas na proporção em que são usados pelo serviço concedido (ou seja, a telefonia fixa).

No cálculo do bem reversível, os bens geradores de receitas (como as redes) terão seu valor calculado pelo valor presente líquido do fluxo de caixa gerado, e não pelo valor residual. Por sua vez, os imóveis em poder das concessionárias – entendidos como bens não geradores de receita – só serão considerados aqueles que tenham em suas instalações bens usados na prestação do serviço de telefonia fixa ou sejam essenciais.

Ademais, fugindo um pouco da ótica da migração do modelo de concessão, a nova lei também traz relevantes alterações no processo de obtenção de outorga para exploração de serviços de telecomunicações.

A nova lei desobriga a Anatel de exigir a regularidade junto aos fiscos municipais, estaduais, além do federal antes de conceder uma outorga, o que anteriormente era requisito indispensável para obtenção de autorização para exploração de serviços de telecomunicações junto à Agência.

Assim como, deixa de exigir a apresentação de projetos técnicos que demonstrem, de antemão, a viabilidade do empreendimento, bem como sua compatibilidade com as normas aplicáveis.

Contudo, embora a Agência tenha flexibilizado os requisitos indispensáveis para obtenção de outorga com a intenção de garantir celeridade e estimular a regularização de empresas de Telecom, acaba por criar certa insegurança jurídica, tanto para o setor como para os consumidores.

Com relação à regularidade fiscal, o fato de sua comprovação passar a ser optativa à critério da Agência, abre precedente para tratamento discriminatório, primeiro em relação àquelas empresas já outorgadas que comprovaram a regularidade com o Fisco, segundo entre os próprios solicitantes de autorização para exploração de serviços de telecomunicações, haja vista que a lei não traz de forma clara quando a Anatel poderá deixar de exigir ou exigirá a comprovação da referida regularidade.

A regularidade fiscal era medida protetiva para se impedir a informalidade no setor, além da concorrência desleal, ocasionada por eventual sonegação fiscal.

Por sua vez, a apresentação de projeto técnico no processo de obtenção de outorga consistia em medida de segurança para a sociedade e garantia de qualidade para os consumidores.

Nesse sentido, ainda que a Agência tenha tido a intenção de aprimorar o processo de obtenção de outorga, desburocratizando os procedimentos a fim de torná-lo mais célere com o intuito de estimular a regularização de empresas de Telecom e fomentar o setor, claramente em atendimento ao princípio constitucional da livre iniciativa, acabou por prejudicar os próprios consumidores.

Destaca-se que a desoneração regulatória para garantir a livre iniciativa deve sempre ser sopesada com outras garantias constitucionais, como o direito do consumidor.

Evidente que a presente situação constitui caso de colisão de direitos fundamentais, sendo que, embora abstratamente, os direitos constitucionais mantenham entre si e com outros bens constitucionalmente protegidos uma relação de harmonia, não havendo entre eles ordenação hierárquica e nem exclusão a priori, na vida social, seja nas relações individuais, seja nas relações entre indivíduo e poderes públicos ou comunidade, nem sempre se verifica a realização plena, harmônica e simultânea dos direitos fundamentais de diferentes titulares.

Dessa maneira, deve-se aplicar a ponderação de direitos, caso em que se colocará na balança o princípio da livre iniciativa que legitima a ideia da desburocratização do processo de obtenção de outorga, com o direito de proteção do consumidor na relação de consumo, sendo que neste último a proteção está vinculada a ideia de coletividade.

Assim sendo, defende-se que todos os princípios constitucionais são válidos, mas nem sempre aplicáveis, devendo se utilizar um juízo de adequabilidade a cada situação concreta em que se esteja diante de uma tensão entre princípios constitucionais.

No presente caso, ainda que a Anatel tenha buscado a proteção da livre iniciativa – o que é uma atitude louvável – na ponderação de direitos fundamentais, pontua-se pela maior relevância da proteção do consumidor do que a desoneração regulatória concedida para os novos players na autorização para exploração de telecomunicações, o que acabou sendo negligenciado indiretamente pela Agência.

Dra Anna Gardemann, Dra Mariana Vidotti – Ambas Compõem o corpo de Advogados da Gardemann & Vidotti Advogados Associados.

Lacier Dias – Professor de Arquitetura, Design e Roteamento para redes, consultor para provedores de acesso e redes corporativas. Diretor de PD&I das empresas Solintel, Moga e VLSM.

Comentários