Algumas questões ficaram evidentes ou incontornáveis ao longo da pandemia. Muitas agregam, outras seguem com maior grau de sofrimento. Nesse primeiro grupo, não há nenhuma dúvida que a principal delas é a certeza, assegurada em lei, da essencialidade dos serviços de banda larga. Já no segundo grupo, destaca-se a resiliência dos provedores na garantia da estabilidade das redes e no atendimento de qualidade aos seus clientes, em um novo contexto de aumento significativo de tráfego, quarentena das famílias, empobrecimento de muitos setores e de muita, muita intolerância humana diante de qualquer minuto de desconexão.
Um belo balé com pratos de porcelana: rede, atendimento, gestão da inadimplência, novos investimentos.
E como se o parágrafo anterior já não rendesse páginas e mais páginas de análise, em meio à crise, acumulam-se consultas públicas da Anatel sobre os mais diversos temas especialmente relevantes para os provedores regionais: desde a construção de um novo cenário regulatório de uso do espectro, a manobras da construção do edital do 5G, até nova minuta de resolução conjunta de compartilhamento de postes. Isso sem falar, ao longo do caminho, da recriação do Ministério das Comunicações, do plano de numeração para o SCM, da discussão no STF sobre a gratuidade do direito de passagem da Lei Geral de Antenas, da nova regulamentação de arrecadação tributária da Agência e das iniciativas estaduais que descumprem, religiosamente, a competência privativa da União para legislar sobre telecomunicações. Ufa!
Algumas certezas pelo caminho: primeiro, que o trabalho da Abrint na defesa dos interesses dos provedores é incansável; segundo, que a atuação institucional é uma forma legítima e extremamente eficiente para fomentar soluções capazes de reduzir o gap digital que ainda existe no Brasil. E, agora, mais do que nunca, impulsionado pela onda do 5G, há novas possibilidades à frente: o uso transformador do espectro.
Tradicionalmente calçados nas grandes operadoras, os modelos de acesso ao espectro, seja licenciado ou não, são insuficientes para contemplar novos modelos de negócios e novos atores interessados, dentre eles, os provedores regionais.
Para fins de contextualização, cumpre esclarecer que as discussões atuais sobre acesso ao espectro no âmbito da Anatel envolvem o leilão do 5G, a tomada de subsídios da revisão do regulamento de uso do espectro e o uso de espectro televisivo ocioso, conhecido como white spaces.
A pergunta que ronda todos os temas é a mesma: como garantir um modelo de acesso flexível e ágil, capaz de otimizar o uso do espectro, oferecer conectividade às áreas remotas, sem que isso resulte em risco à concorrência setorial e aos investimentos?
Uma parte das respostas advém da compreensão do universo 5G. No exterior, os leilões para 5G têm sido bastante similares aos leilões tradicionais: são definidos blocos de radiofrequência para certas áreas com preços mínimos, com ou sem obrigações de cobertura e que seguem as rodadas de lances. O grande diferencial da tecnologia 5G provavelmente está na forma de implantação de compartilhamento de infraestrutura e, nesse sentido, o edital pode sim inovar. Também, espera-se um diferencial do 5G na gestão da capacidade disponível a partir do fatiamento da rede (network slicing) e na alocação dinâmica do espectro para prevenir ou mitigar interferências de forma mais eficiente.
No Brasil, uma característica que se soma às anteriores é, sem dúvida, o aumento significativo de espectro com que as operadoras podem sair do leilão de 5G, o que justificaria desenvolver, já de início, um modelo de regulação atacadista associado a uma lógica de eficiência que possa ser resumida da seguinte forma: se não for usar, então que compartilhe!
Alguns aspectos já foram endereçados pela Abrint na consulta pública da Anatel: i) a assimetria garantida através da destinação de lote específico na faixa de 3,5 GHz com largura de banda de 60 MHz, destinada a PPP ou novos entrantes, com tratamento diferenciado – de pagamento de 10% do valor da faixa e demais 90% em compromissos de cobertura – garantindo-se a associação da faixa ao SCM; ii) a sugestão de um procedimento de fast track, capaz de autorizar rapidamente o uso do espectro em caráter secundário nos municípios onde não houver compromisso de cobertura por parte da vencedora ou para os quais não haja planejamento de implantação de rede no horizonte de 2 anos; iii) para áreas em que as vencedoras já tenham iniciado a operação e, em função disso, o espectro não possa ser autorizado em caráter secundário, sugere-se estabelecer uma oferta pública de rede/capacidade em 4G e/ou 5G, com parâmetros pré-definidos, por edital.
Espera-se que o setor faça uso de modelos variados de acesso ao espectro, possivelmente uma combinação inteligente e hierarquizada entre modelos licenciado, não licenciado e semi-licenciado. No Brasil, particularmente, há expectativa legítima de que o trade-off da granularidade promova alternativas regulatórias de compartilhamento, modelagens inovadoras de mercado secundário e alocação dinâmica de espectro, suficientes para permitir micro-operações locais. Para isso acontecer, não bastam incentivos econômicos: o regulador deve atuar.
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