Os Descontos Condicionais nos Serviços de Telecomunicações: Polêmica sob a Ótica Tributária
Enviado em 03.11.2020

Os Descontos Condicionais nos Serviços de Telecomunicações: Polêmica sob a Ótica Tributária

Tornou-se prática recorrente dos serviços de telecomunicações a concessão e, sobretudo, a formalização de descontos ao cliente no ato da contratação do serviço.

 

Tornou-se prática recorrente dos serviços de telecomunicações a concessão e, sobretudo, a formalização de descontos ao cliente no ato da contratação do serviço.

Esta prática é decorrente de exigências previstas na regulamentação dos diversos serviços de telecomunicações, eis que a ANATEL, como no Regulamento Geral de Direitos do Consumidor de Serviços de Telecomunicações – RGC (aprovado pela resolução ANATEL 632/2014), passou a permitir a fidelização do cliente por prazo determinado, mas, em contrapartida, determinou que as Operadoras concedam benefícios (descontos) no ato da contratação do serviço.

Em outras palavras, nos dizeres do Artigo 57 do RGC, “A Prestadora pode oferecer benefícios ao Consumidor e, em contrapartida, exigir que permaneça vinculado ao Contrato de Prestação do Serviço por um prazo mínimo.”

Além da imperativa concessão ao cliente de algum benefício quando da contratação dos serviços, o RGC também estipulou outros pressupostos ensejadores para a conformação da fidelidade do cliente, quais sejam: (i) os benefícios concedidos aos clientes, o prazo de fidelidade e o valor da multa contratual em caso de rescisão antecipada, devem ser objeto de instrumento autônomo, denominado “Contrato de Permanência”; (ii) o valor da multa a ser pleiteada em face do cliente, em caso de rescisão contratual antecipada, deve ser proporcional ao valor do benefício concedido e ao tempo restante para término do prazo de fidelidade.

Pois bem! Diante destas exigências da regulamentação, é atualmente prática recorrente do setor a concessão de descontos ao cliente, e sua respectiva formalização no intitulado “Contrato de Permanência”.

Os descontos concedidos pelas empresas podem variar desde descontos na taxa de instalação ou ativação, até descontos na mensalidade. Algumas empresas, inclusive, já concederam descontos sobre os equipamentos cedidos em comodato, o que constitui uma prática completamente errônea, eis que o comodato, conforme Artigo 579 do Código Civil, é o empréstimo gratuito de coisas não fungíveis. Não sendo possível, portanto, se conceder desconto ou benefício sobre algo que, por natureza, já é necessariamente gratuito.

Além de descontos condicionados à fidelização do cliente, nota-se também uma outra prática muito comum no setor: o desconto visando “incentivar” o cliente ao pagamento em dia. Ou seja, desconto condicionado ao pagamento pontual pelo cliente.

E exatamente sobre os chamados “descontos condicionais”, e sua repercussão tributária, é que pretendemos alertar as empresas atuantes nos serviços de telecomunicações, e que adotam este tipo de prática.

Primeiramente, importante pontuar que o desconto será classificado como condicional, quando depender de evento posterior à emissão do documento fiscal. É esta a dicção do Artigo 4.2 da Instrução Normativa SRF n.º 51/1978.

Por outro lado, o desconto será classificado como incondicional, quando: (i) representar parcelas redutoras do preço de venda; (ii) constar da nota fiscal de venda dos bens ou da fatura de serviço; e (iii) não depender de evento posterior à emissão do documento fiscal.

Sendo que, para efeitos tributários, é fundamental ressaltar que apenas os descontos incondicionais são excluídos da base de cálculo da maioria dos tributos, conforme se infere, por exemplo, da Lei Complementar n.º 123/2006, que rege, dentre outros assuntos, a tributação das empresas optantes pelo Simples Nacional. Veja:

“Artigo 3º (Omissis)

§ 1º.  Considera-se receita bruta, para fins do disposto no caput deste artigo, o produto da venda de bens e serviços nas operações de conta própria, o preço dos serviços prestados e o resultado nas operações em conta alheia, não incluídas as vendas canceladas e os descontos incondicionais concedidos.”

Veja ainda o disposto nas Leis n.º 10.637/2002 e 10.833/2003, que tratam, respectivamente, do PIS e COFINS:

“Artigo 1º (Omissis)

§ 3o Não integram a base de cálculo a que se refere este artigo, as receitas:

(…)

V – referentes a:

a) vendas canceladas e aos descontos incondicionais concedidos;”

E veja agora o que prevê a Lei Kandir (Lei Complementar n.º 87/96), que rege a tributação pelo ICMS, imposto de maior oneração no setor de telecomunicações:

“Art. 13. (Omissis)

§ 1o Integra a base de cálculo do imposto, inclusive na hipótese do inciso V do caput deste artigo:   

(…) 

II – o valor correspondente a:

a) seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição;”

Desta forma, a maioria dos tributos possuem previsão em Lei admitindo a exclusão da base de cálculo tão somente dos descontos incondicionais. Uma exceção é a Lei Complementar n.º 116/2003, que rege a tributação pelo ISSQN, eis que esta legislação nada dispõe sobre o assunto.

E diante desta contextualização, chegamos ao ponto focal deste artigo: os descontos voltados à fidelização do cliente, bem como os descontos visando “incentivar” o cliente ao pagamento em dia, são considerados “descontos condicionais” e, portanto, não podem ser excluídos da respectiva tributação?

A esse respeito, e verificando-se o panorama de decisões judiciais e administrativas sobre o tema, nota-se que a matéria ainda não está totalmente sedimentada a nível de jurisprudência. Há decisões, a título de exemplificação, afastando o enquadramento do desconto atrelado à fidelização da categoria de “desconto condicionado”. Confira:

“(…) A multa rescisória não corresponde necessariamente à reversão de um desconto condicionado, a multa é variável de acordo com o contrato e o tempo decorrido, prestando-se a indenizar a operadora pela quebra do acordo firmado no contrato, até porque, se cumprido o prazo de 12 meses, nada será cobrado e o consumidor poderá cancelar o plano e, inclusive, habilitar o aparelho em outra operadora. Por sua vez, o desconto oferecido pela operadora na compra do aparelho celular, mesmo se rescindido o contrato, o valor não sofrerá alteração (…).” (Apelação n.º 0100975-41.2011.8.26.0100. 31/3/2015. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Enquanto que, por outro norte, há decisões considerando como “condicional” o desconto atrelado à fidelização do cliente. Confira:“(…) Em caso de rompimento contratual, a multa rescisória (cláusula penal) estipulada é calculada em função do desconto concedido, ou melhor: em caso de resilição unilateral por iniciativa do cliente, dá-se a perda do desconto – Desconto que está atrelado à continuidade da avença contratual, evento futuro e incerto que se erige em condição acoplada à compra e venda do aparelho celular por preço promocional – Desconto que não é gratuito ou incondicional, mas, antes, diretamente jungido à manutenção da avença (evento futuro e incerto), sendo condicionado e, por via de consequência, sujeito à incidência do imposto (…). (Apelação n.º 1000731-15.2015.8.26.0014. Data do Julgamento: 05/02/2019. Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo).

Esta é, portanto, outra matéria afeita ao setor de telecomunicações, que ainda deverá ser melhor debatida no âmbito dos Tribunais, sobretudo dos Tribunais Superiores.

Mas dentro de uma política de conformação tributária, e visando eliminar as contingências em potencial, é fundamental que as empresas se atentem quanto a esta discussão, adequando seus instrumentos contratuais e até mesmo sua política comercial.

Paulo Henrique da Silva Vitor

Advogado e Consultor Jurídico

Sócio Fundador da Silva Vitor, Faria & Ribeiro Sociedade de Advogados

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