Qual o Futuro Além do Mercado de TV por Assinatura?
Enviado em 18.10.2022

Qual o Futuro Além do Mercado de TV por Assinatura?

A tarefa de atualizar o marco jurídico da TV por assinatura, revisitando-se o conceito e as obrigações do SeAC, é complexa. Embora a […]

Qual o Futuro Além do Mercado de TV por Assinatura?

A tarefa de atualizar o marco jurídico da TV por assinatura, revisitando-se o conceito e as obrigações do SeAC, é complexa. Embora a OCDE tenha apresentado recomendações bastante claras sobre o caminho para parte da atualização do marco jurídico-regulatório referente aos mercados de produção, programação, empacotamento e distribuição de conteúdo audiovisual, incluindo a unificação bem-vinda da atividade regulatória, hoje dividida entre Ancine e Anatel, há ainda alguns outros elementos que a ABRINT gostaria de ponderar nessa edição, inclusive quanto ao desenvolvimento do mercado audiovisual.

Para a ABRINT, reavaliar esse marco legal envolve desonerar as prestadoras de serviços de telecomunicações de todas as obrigações (de atendimento e qualidade) relacionadas à oferta de conteúdo, sem que isso importe em esvaziamento do conteúdo audiovisual nacional. Isso porque o mercado audiovisual brasileiro está intimamente ligado ao setor de telecomunicações. A partir da promulgação da Lei do SeAC, foram estabelecidos os mecanismos de cotas de presença nacional nos canais e pacotes de TV paga, o que deu vazão a um grande volume de conteúdos produzidos, de qualidade. Ao mesmo tempo, criou-se o principal mecanismo de financiamento do setor: o pagamento da Condecine pelas empresas de telecomunicações. Duas faces de uma mesma moeda: cotas e recursos financeiros.

Entretanto, essa dinâmica estabelecida passou a ser bombardeada pelo advento das ofertas de conteúdo sob demanda através do uso da internet, quebrando o paradigma do casamento com a propriedade da infraestrutura dos meios de distribuição.

Nesse contexto, por um lado, deve o regulador compreender a necessidade urgente de desoneração das empresas de telecomunicações para que haja um equilíbrio mínimo potencializador de novos negócios. Por outro lado, cabe ao legislador a revisão da sustentabilidade do modelo atual do mercado audiovisual, incluindo tanto as fontes de abastecimento do FSA – Fundo Setorial do Audiovisual e o foco dos investimentos, quanto as novas formas de escoamento da produção.

Vejam que a cadeia de produção independente na televisão até a implantação da TV por assinatura, nos anos 1990, esteve diretamente associada ao forte poder de grupos econômicos atuantes no setor e a circunscrição ao modelo de TV aberta. Apenas com a regulamentação da Lei do Cabo, pelo Decreto 2206/1997, restando as operadoras obrigadas a oferecer pelo menos um canal de programação exclusiva de produções independentes nacionais, a produção independente nacional passou a escrever uma nova história de desenvolvimento.

Com a lei do SeAC, a adoção da cota de tela integrada a uma política mais ampla para o audiovisual, além de ter estimulado o escoamento dos projetos por parte das produtoras (superando a cota de programação estabelecida em lei), restou fortalecida pela Condecine, que chegou a corresponder a 90% dos recursos que alimentam as linhas de investimento do FSA. A baixa concentração da produção independente nacional na TV aberta, quando comparada à TV paga, é evidência da base regulatória da obrigatoriedade de cota de tela e da imposição de limites à estrutura verticalizada, associada a uma política de fomento sustentada pelas prestadoras de telecomunicações.

Agora, em 2023, tanto os percentuais de cota de tela (cota de programação), quanto de canais de espaço qualificado nos pacotes de assinatura (cota de empacotamento) deixam de existir e sua prorrogação não mais basta para assegurar a permanência do conteúdo nacional. Leia-se permanência como o aumento no número de empresas produtoras independentes cadastradas na Ancine e o crescimento do número de obras registradas a partir da regulamentação da Lei nº 12.485/2011.

Antecipando-se essa data não por conta da determinação legal, mas sim em função de uma necessidade preeminente de reequilíbrio do mercado e consolidação do streaming, a cultura ou identidade nacional, representada por esse conteúdo veiculado e fomentado, deve agora buscar outro caminho: a ampliação da internacionalização da produção brasileira e a parceria com canais estrangeiros passa por um aprofundamento dos mecanismos geridos pela Ancine e pela capacidade das produtoras em negociar com players de diferentes escopos.

O mercado de VoD entra como uma janela cada vez mais relevante para a produção independente nacional. Se nos primeiros anos o VoD representou um mercado competidor à TV por assinatura – com reflexo na queda da base de assinantes – o movimento tem sido agora de maior estreitamento. Os canais começam a criar suas plataformas de streaming e conteúdos começam a ser licenciados para ambas a TV paga e para o mercado VoD, aumentando o potencial de circulação e comercialização das obras. No terreno da política audiovisual, a tendência deve ser a ampliação dos investimentos em projetos para multiplataformas e a valorização do streaming como janela exibidora para os conteúdos independentes.

Nesse cenário transformado (evoluído por assim dizer), há que se revisitar as limitações do controle cruzado entre prestadoras de telecomunicações (ora distribuidoras) e empresas produtoras e programadoras de conteúdo. Seu propósito original já foi superado e hoje deve ser visto como prejudicial aos novos modelos de negócios.

Uma coisa é clara: a cadeia de valor criada pela lei do SeAC não é mais adequada. Para que se obtenha um novo reequilíbrio inovador nesse mercado (audiovisual e de telecomunicação), há necessidade de novos arranjos entre os atores e de construção de uma nova cadeia de valor que não se esgota nas caixinhas estanques da produção, programação, empacotamento e distribuição de conteúdo.

Isso porque, historicamente, os meios tradicionais de comunicação de massa consolidavam a opinião pública, serviam de termômetro para as angústias sociais e impactavam a própria soberania do Estado. Até então, nada mais natural querer regular esse mercado e estabelecer restrições de propriedade cruzada. Agora, acrescente-se a Internet e as redes sociais nesse contexto. A fluidez da comunicação entre os indivíduos pela internet, bem como da veiculação de conteúdo, independentemente de sua origem, promove um questionamento natural sobre qual seria, agora, a real dimensão de poder dos meios de comunicação de massa tradicionais. A regulação atual, no que tange à continuidade da proibição da verticalização da cadeia, perde o sentido de ser. E nem estamos falando na incapacidade do mercado consumidor compreender o papel do empacotamento. O empacotamento apresenta-se como uma amarra custosa e sem sentido para o usuário do serviço.

Quando o advento da veiculação de conteúdo pela Internet toma conta do cenário, o processo de criação de valor não segue mais uma cadeia de valor linear, criando um novo movimento de interdependência (e não mais apenas dependência) entre os atores, especialmente com relação aos distribuidores de conteúdo. Essa possibilidade de oferta direta do conteúdo ao público final é o que deve ser objeto de uma política pública consistente de promoção da indústria audiovisual nacional.

Medidas para manter a identidade nacional, promover o conteúdo local ou apoiar outros objetivos associados com a radiodifusão podem e devem ser implementadas de maneira que promovam a neutralidade competitiva, ao mesmo tempo que garantam os benefícios dos investimentos. Em meio à tantos dilemas, há uma luz: a decisão clara a respeito da natureza de serviço de valor adicionado para a veiculação de conteúdo pela internet, independentemente da linearidade. O respeito, tanto pela Anatel, quanto pela Ancine, à diferenciação, positivada na lei, entre serviços de telecomunicações e serviços de valor adicionado é o único caminho capaz de trazer garantia e segurança jurídica mínima suficiente para a perpetuação dos investimentos na veiculação de conteúdo audiovisual.

O palco das discussões sobre a TV por assinatura deve iluminar a continuidade da Internet como ambiente não regulado. A ABRINT está certa de que a emergência de novas formas de comunicação baseadas na Internet torna obsoleta a construção de políticas regulatórias que amarram regimes jurídicos a implementações tecnológicas específicas.

Autor: ABRINT MULHER

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