Provedores do Ceará no Limite
Enviado em 06.04.2023

Provedores do Ceará no Limite

A Abrint discute o tema de compartilhamento de postes há anos. Ainda hoje vemos descrença e resistência de vários atores quando o assunto […]

A Abrint discute o tema de compartilhamento de postes há anos. Ainda hoje vemos descrença e resistência de vários atores quando o assunto é uma solução definitiva e perene, que resolva o caos instalados nos postes de todo o Brasil e, ao contrário, consiga estabelecer um ambiente de organização cada vez mais eficaz.


De fato, é uma questão complexa, com desafios de ordem concorrencial, operacional e de segurança. Muitas vezes os interesses dos setores de energia elétrica e telecomunicações são opostos. Contudo, há uma dimensão que é comumente negligenciada nas discussões. Entre todos os cálculos setoriais, a óptica do consumidor costuma ficar bem distante do topo da lista de prioridades.


Temos que lembrar de colocar o consumidor também no centro deste debate. Afinal, é ele que, em última medida, vai pagar o boleto que sustenta as operações desses dois setores essenciais. Muitas vezes, o consumidor sequer compreende o tamanho do problema que enfrentamos. É preciso reformar atentamente o modelo de compartilhamento e revisitar o conceito de modicidade tarifária para equilibrar os custos entre os setores. Não é sustentável seguir fechando os cálculos como fazemos hoje, caso contrário, o futuro é certo: a economia de centavos na conta de energia, vai virar um acréscimo de reais na conta de internet.


Recentemente, o Ceará se tornou um exemplo claro desse desafio. No início de 2022, a Enel Ceará enviou um comunicado às empresas de telecomunicações do estado que passaria a cobrar por equipamentos instalados em postes. Como ente monopolista, a distribuidora tem força para colocar o preço que bem entender. E, neste caso, a cobrança é alta: um multiplicador de três a seis vezes o valor do ponto de fixação no poste.


Com o valor do ponto de fixação já acima dos R$ 12, isso quer dizer que cada CTO poderia custar cerca de R$ 70 mensais. Não foi preciso nem conta de padeiro para saber que seria impossível fechar as contas de um provedor no final do mês: o custo de uma CTO ficaria praticamente igual ao ticket médio de um cliente. Se efetivada, a cobrança exigiria reajustes significativos no preço dos pacotes de internet comercializados no estado, além do sério risco de falência de grande parte dos provedores regionais.


Vale ressaltar, os provedores regionais são a espinha dorsal da conectividade do Nordeste. No Ceará, atendem mais de 80% dos consumidores de internet banda larga fixa, conectando mais de 1 milhão de residências em todos os municípios do estado. São centenas de pequenas e médias empresas, que geram mais de 100 mil empregos de Camocim ao Cariri. Sem essas empresas a maior parte dos consumidores cearenses não teriam sequer oferta de internet em suas cidades.


Com o susto da cobrança, os provedores cearenses – que já trabalham com margens apertadas – reagiram. Foram às ruas e alertaram sobre esses riscos. Em face à pressão, a Enel Ceará aceitou suspender a cobrança e iniciar um processo de diálogo com uma comissão de associações e provedores locais. Durante todo o ano, trabalharam com essa nuvem carregada sobre suas operações, na ansiedade de não saber até quando vão conseguir manter suas operações.


O debate seguiu desde fevereiro, com a comissão tentando demonstrar – com base em cálculos e dados – que a conta dos provedores regionais simplesmente não fecha se houver cobrança pelos equipamentos. No entanto, a distribuidora de energia se mostrou irredutível: não renuncia à cobrança, aceita apenas modular o multiplicador definido.


Insensível aos argumentos da comissão, a distribuidora decidiu unilateralmente encerrar o diálogo e colocou um prazo para todos os provedores do estado. Até o dia 30 de novembro de 2022, precisam escolher entre a proposta inicial de seis vezes o valor do ponto de fixação ou uma proposta de escalonamento, que varia de quatro a uma vez o valor do ponto de fixação. Contudo, para o provedor cearense, isso é equivalente apenas a escolher a grossura da corda em volta de seu pescoço.


Mesmo a cobrança do multiplicador mínimo – de apenas uma vez o ponto de fixação – já será suficiente para aumentar o custo mensal de cada provedor em cerca de 50%. Com margens apertadas, é impossível não repassar parte significativa deste aumento aos consumidores. Para piorar, os provedores seguem as regras da ANATEL, que limita a capacidade de reajuste dos preços já pactuados. Para muitos provedores, quando a cobrança vier, será um cenário de morte súbita.


Para o consumidor, isso quer dizer que, nas hipóteses atuais, os planos de internet podem chegar a reajustes de 40% a 70%. Em muitos casos, vai representar a redução da oferta dos serviços e do número de empresas competindo, o que também poderá trazer impactos sobre os preços. Repito: os provedores regionais estão presentes em cidades onde as grandes operadoras não chegam. Foram esses empreendedores que mantiveram escolas, universidades, hospitais e toda a sociedade conectada durante a pandemia. Muito mais que um risco econômico, é um gravíssimo risco de retrocesso social.


A Abrint vai seguir apoiando as associações e provedores do estado do Ceará nessa disputa e ainda mantemos esperança de resolver a situação de forma dialogada com a distribuidora de energia. Contudo, esse cenário mostra mais uma vez a urgência de mudarmos o modelo de compartilhamento dos postes no Brasil. Convido o leitor a visitar as redes sociais da Abrint e conhecer a nossa proposta sobre o assunto. Não é mais sustentável usar os postes para lucrar em cima dos provedores regionais brasileiros.

Mauricélio Oliveira, membro fundador e atual Diretor Presidente da ABRINT – Graduado em Engenharia Elétrica e Administração de Empresas, com vasta experiência no setor de telecomunicações.

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