M&As trazem um novo desenho ao mercado de banda larga
Enviado em 11.04.2024

M&As trazem um novo desenho ao mercado de banda larga

O primeiro semestre parecia indicar que a onda de M&As entre provedores de Internet perdia força. Conforme estudo da KPMG, no período, foram […]

O primeiro semestre parecia indicar que a onda de M&As entre provedores de Internet perdia força. Conforme estudo da KPMG, no período, foram realizadas 368 operações do gênero envolvendo empresas de tecnologia, mídia e telecomunicações, 41% menos que nos seis primeiros meses de 2022. Porém, já em julho, o anúncio da fusão Vero e Americanet trouxe a expectativa de que o movimento não só terá continuidade como envolverá players de maior porte – inclusive as grandes teles –, o que levará junto parte significativa dos ISPs menores. O que se aguarda num futuro próximo é uma nova configuração do mercado.

Essa expectativa surgiu inicialmente em análises de bancos, que, com base na localização de redes, tecnologias utilizadas e áreas de atuação de provedores regionais, já elencavam como prováveis a união entre determinados players. A partir do anúncio da fusão Vero/Americanet, essas especulações ganharam força e novos cenários. Um deles partiu do BTG Pactual que, após o Copom realizar, em agosto, o primeiro corte da Selic desde junho de 2020, levando a taxa a 13,75% ao ano, apostava na adoção do viés de baixa para apontar a consequente redução de custo de capital como fator para que novas operações envolvendo os maiores PPPs ocorressem nos meses seguintes e que, na sequência, as empresas resultantes seriam alvo de aquisições por parte de grandes operadoras.

É preciso ter em mente que o BTG Pactual é parte interessada nesse movimento – detém o controle da V.Tal, empresa criada durante a recuperação judicial da Oi e que herdou sua rede de fibra. Porém, as suposições apresentadas pelo banco são muito bem fundamentas e mais do que factíveis.

Entre os principais competitivos, o surgimento do quinto maior provedor nacional de Internet, com 1,42 milhão de acessos fixos – 812 mil da Vero e 610 mil da Americanet, atrás apenas de Claro, Vivo, Oi e Alloha – determina a realização de movimentações semelhantes. Quem não as fizer não só perderá mercado no curto prazo como ficará sem condições para competir com players bem maiores que os existentes hoje.

Para ganharem o porte que precisam na velocidade que o mercado impõe, M&As são a única alternativa – particularmente o “M”, de Mergers. Caro e demorado em condições favoráveis, obter crescimento orgânico de forma relevante é impossível num cenário de queda da demanda por banda larga. Aquisições de grandes provedores regionais por outros também são improváveis. Mesmo que o Banco Central dê sequência à redução da Selic – quando este texto foi escrito, estava em 13,25% ao ano –, a taxa permanecerá em níveis históricos elevados por um longo período, assim como as do crédito disponível no mercado, as quais ela baliza. Já fusões envolvem aportes significativamente menores, principalmente quando ocorrem via troca de ações, como se deu no acerto entre Vero e Americanet.

Independentemente das cifras que envolvem, essas operações são complexas e demoradas. Implicam na realização de análises profundas de ativos físicos, operação e dados financeiros e contábeis – pelas quais, muitos ISPs menores passarão. Portanto, não será surpresa se até o início de 2024 nada de concreto for anunciado. Mas as negociações, com certeza, estão em curso. São imperativas, seja para que as empresas possam fazer frente aos concorrentes que surgirão, seja para serem atrativas às grandes teles quando estas, como aventou o BTG, iniciarem suas aquisições. Quanto a este último ponto, não é só o banco que o aponta como provável.

Tanto Vivo quanto a America Móvil (controladora da Claro) já afirmaram que observam oportunidades nesse sentido. Para elas, a compra de grandes PPPs configura um movimento necessário. Por atuarem em grandes centros, as teles têm como única alternativa para aumentar suas carteiras de clientes conquistar os que são atendidos pela concorrência, algo que não gera escala e, consequentemente, não resulta no ganho de posições de mercado. Interessarão ISPs, quando estes passarem da casa de centenas de milhares de clientes para mais de um milhão, porte que, até meados de outubro, apenas três possuíam.

Obviamente, todas essas movimentações impactarão os ISPs menores, que não são poucos. Em análise divulgada em agosto, o BTG estimava que apenas 23 dessas empresas dispunham de mais de 100 mil acessos fixos e que 97% dos mais de 10 mil provedores existentes no mercado – conforme a Abrint, seriam, ao todo, 20 mil – tinham menos de 10 mil clientes. Esses também serão observados.

As negociações entre os principais provedores regionais são condicionadas pelos 5% de market share que, se excedidos, implicam em um novo nível de exigência regulatória. Se isso descarta várias propostas entre os grandes, aumenta o interesse pelos ISPs de menor porte, principalmente se estes atuarem próximo ou nas áreas de potenciais compradores e se suas redes lhes forem complementares.

Propostas nesse sentido serão frequentes quando os PPPs com cerca de um milhão de acessos se multiplicarem. Exemplo disso é a própria empresa resultante da fusão Vero/Americanet que, conforme seu CEO, Fabiano Ferreira, nasceu com 500 municípios mapeados com vista à ampliação de suas operações. “Fizemos, reunidas, 48 fusões e aquisições. Saberemos conduzir novos negócios”, afirmou o executivo logo após o anúncio da criação da nova companhia. Para muitos pequenos empreendedores, isso representará a recompensa por anos de dedicação a seus negócios. Para outros, frustração e risco iminente de deixarem o mercado.

Como dito acima, fusões e aquisições implicam na realização de análises profundas sobre a situação dos ativos envolvidos, que vão muito além da localização e tecnologia das redes. As empresas que estão por surgir adotarão rigorosas políticas de compliance – até por necessidade –, o que tornará isso norma para o restante do mercado. Também multiplicarão a experiência adquirida ao longo de negociações voltadas a M&As, como a importância das variáveis observadas em uma due diligence.

Portanto, passivos, principalmente os de ordem trabalhista, fiscal e regulatória, serão fatores que levarão muitos proponentes à desistência de ofertas de compra de ISPs. Sendo que as empresas que farão as propostas precisam obter crescimento rapidamente e estarão capitalizadas, ou levarão suas ofertas aos concorrentes que atuam nas mesmas áreas dos provedores descartados ou elas mesmas intensificarão seus investimentos ali. Pequenos não têm como competir nesse tipo de situação.

O novo mercado de banda larga que começa a surgir impõe que a gestão das empresas seja feita de forma eficiente. Se, no passado, a excessiva demanda pelo serviço possibilitou que provedores crescessem mesmo com administração falha e falta de cumprimento de obrigações regulatórias, o cenário que chega impõe um novo modelo de negócios. O segmento cresceu nos últimos anos e agora, em meio à concentração, força os menores a adotar as mesmas práticas utilizadas por grandes grupos. Muitos ISPs deixarão de existir, o que não é necessariamente ruim. Permanecerão os que forem geridos de forma profissional.

Fabio Vianna Coelho, engenheiro eletricista e de segurança do trabalho, é sócio da VianaTel, consultoria especializada na regularização de ISPs, e do RadiusNet, software de gestão para provedores.

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