Poste para a Aneel não é o mesmo que para a Anatel
Enviado em 30.05.2024

Poste para a Aneel não é o mesmo que para a Anatel

Em artigo denominado “Retrospectiva regulatória: os casos decididos pela Anatel que definiram as telecomunicações em 2023”1, o Conselheiro Alexandre Freire, no que se […]

Em artigo denominado “Retrospectiva regulatória: os casos decididos pela Anatel que definiram as telecomunicações em 2023”1, o Conselheiro Alexandre Freire, no que se refere à regulamentação conjunta do uso de postes, diz que “… a Aneel e a Anatel apresentam divergências interpretativas em relação à facultatividade ou obrigatoriedade de fornecimento de acesso à infraestrutura…”.

Como o próprio Conselheiro aponta, são muitos e relevantes os aspectos contidos na minuta de resolução conjunta, tais como as condições para acesso à infraestrutura pelas autorizadas dos serviços de telecomunicações, o endereçamento de soluções para as utilizações irregulares e a introdução de um novo ator, a quem pudesse ser conferida a administração/exploração dos postes.

Quanto a este último tema, há uma evidente discordância entre as agências, representada pelo posicionamento das respectivas procuradorias especializadas, notadamente quanto à redação do artigo 3º. da minuta da resolução conjunta, que diz: A distribuidora de energia elétrica deverá ceder o direito de exploração comercial de Espaços em Infraestrutura, sempre que houver interessados, nos termos do art. 31.” Grifou-se.

As procuradorias especializadas são compostas por membros da Advocacia Geral da União (AGU), que funcionam como guardiães da juridicidade dos atos praticados pela Administração Pública federal, e que tem o papel de atuar para garantir que os processos administrativos sejam efetivados com observância dos direitos constitucionalmente consagrados2.

Em que pese existam nas agências tantos outros servidores capazes de emitir opiniões jurídicas e regulatórias relevantes, as Procuradorias Especializadas emitem pareceres que, se não vinculam, balizam a atuação dos conselheiros.

Chamada a opinar sobre o citado artigo 3º., diz a Procuradoria da Aneel, em conclusão3:

Entendo que as Agências Reguladoras não podem determinar, sem a devida motivação fundada em evidências de deficiência de prestação do serviço ou outro bem jurídico a ser tutelado, a cessão dos espaços em infraestrutura disponíveis em ativos de distribuição. Nos termos do parágrafo único do art. 73 da LGT, a ANATEL tem competência legal para regular as condições de compartilhamento de infraestrutura, mas o direito à exploração do espaço comercial do ativo não se confunde com o dever de compartilhamento da infraestrutura imposto à distribuidora. A exploração do espaço comercial do poste de distribuição é atividade inerente à concessão do serviço público de distribuição de energia elétrica, estando sujeita à regulação da ANEEL, por força da Lei no 9.427/1996. Apenas a ANEEL tem competência para regular os contratos de concessão de distribuição…

Antes, na fundamentação do seu entendimento, assevera que:

Não se deve olvidar, também, que os postes, conquanto eventualmente necessários à prestação de serviços de telecomunicações, são um ativo da concessão de distribuição. É um ativo servível à concessão e a possibilidade (ou mesmo a necessidade) de seu compartilhamento não desnatura essa qualidade.

A livre gestão do negócio de distribuição… … é uma potestade, uma faculdade ou uma prerrogativa assegurada à concessionária de distribuição por força dos contratos.

Não tenho dúvidas de que, havendo a capacidade excedente no ativo, o compartilhamento da infraestrutura deve serpermitido, nos termos do art. 73 da LGT. Porém, não há uma norma legal que imponha a cessão do espaço em infraestrutura.Grifou-se.

Por seu turno, a Procuradoria da Anatel, endossando Informe da Área Técnica da Agência, sustenta que4

Desse modo, com atendimento aos citados princípios constitucionais, o art. 73 da LGT estabeleceu que as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo possuem direito à utilização de postes, dutos, condutos e servidões pertencentes ou controlados por prestadora de serviços de telecomunicações ou de outros serviços de interesse público, de forma não discriminatória e a preços e condições justos e razoáveis e, por expressa previsão do seu parágrafo único, que cabe ao órgão regulador do cessionário dos meios a serem utilizados definir as condições para adequado atendimento desse direito. Grifou-se.

De forma semelhante, a Lei no 13.116, de 2015, … … estabeleceu a obrigação de compartilhamento da capacidade excedente da infraestrutura de suporte, definindo-o como “cessão, a título oneroso, de capacidade excedente da infraestrutura de suporte, para a prestação de serviços de telecomunicações por prestadoras de outros grupos econômicos” (art. 3º, inciso II).

E conclui:

A proposta em questão trata justamente da regulamentação da forma como deva se dar o compartilhamento de espaço nos postes, via cessão, dando concretude às normas citadas.

Ocorre que o dissenso das Agências parece ir além da polêmica em questão (cessão do direito de exploração comercial), para atingir à obrigatoriedade (ou não) do próprio acesso ao compartilhamento desta infraestrutura, o que nos parece um grave problema de entendimento jurídico-regulatório que carece de urgente pacificação: a caracterização (ou não) dos postes como essencial facilities ou infraestruturas essenciais.

Em termos doutrinários, quando se fala em “compartilhamento” logo vem a ideia do remédio regulatório para o que se chama de problema fundamental da regulação, caracterizado pela recusa de contratar (ou, mais especificamente, a rejeição em ceder infraestrutura ou rede), ao que se opõe a disciplina do direito à interconexão ou a tutela do compartilhamento. A extensão da disciplina da recusa do contratar para uma obrigação ativa de contratar se dá em sede antitruste através da chamada essential facility doctrine … … desenvolvida para aquelas situações identificadas pela doutrina econômica como de monopólio natural, em que há um bem (geralmente uma rede) de tal importância que é impossível minimamente competir sem que exista acesso a esse bem5. Conceitualmente, as essential facilities “podem ser definidas como as redes de infraestruturas historicamente estabelecidas e dominadas por um número limitado de agentes, utilizadas na prestação de determinadas atividades essenciais a coletividade.6

Segundo o Prof. Calixto Salomão Filho, quatro são os requisitos de aplicação na Doutrina das Infraestruturas Essenciais: (i) a existência de controle de um bem por uma empresa que seja essencial para a competição; (ii) Impossibilidade prática ou econômica para a sua duplicação; (iv) negativa de contratar, isto é, de ceder o uso desta mesma infraestrutura; e (iv) possibilidade física e técnica para a cessão.

Como se viu, a Lei n. 9.472/1997 (LGT), em seu artigo 73, dispõe que as prestadoras de serviços de telecomunicações de interesse coletivo terão direito à utilização de postes. A Lei das Antenas (13.116/2015) é taxativa ao determinar que é obrigatório o compartilhamento da capacidade excedente da infraestrutura de suporte, exceto quando houver justificado motivo técnico. Em 25/09/2023, foi publicada a Portaria Interministerial MCOM/MME n. 10.563, que institui a política nacional de compartilhamento de postes (“Poste Legal”). Com isso, se pode dizer que tais normas ergueram à categoria de lei a Doutrina das Infraestruturas Essenciais?

Ainda que não haja um dispositivo análogo, do ponto de vista da Lei n. 9.427/1996, que instituiu a ANEEL e disciplinou o regime das concessões dos serviços públicos de energia elétrica, tem-se uma regra genérica que comporta preocupações de ordem concorrencial (art. 3º, incisos VIII e IX), bem como o Decreto n. 2.335/1997, que regulamenta a criação da Agência e aprova seu Regimento Interno, também reitera esse mandamento genérico, e que se aplica aos compartilhamentos (Art. 4º, inciso II).

Assim, as visões das Procuradorias Especializadas estão em conflito, o que traz obviamente insegurança jurídica para os processos e para o deslinde da nova e tão aguardada resolução conjunta.

Historicamente, a Procuradoria-Geral Federal sempre teve órgãos para resolução deste tipo de controvérsia entre pareceres de procuradores.

Segundo o Decreto 11.328, de 01/01/2023, que aprovou a nova Estrutura Regimental da AGU, as Procuradorias Federais junto às autarquias e fundações públicas federais são órgãos de execução da Procuradoria-Geral Federal e a ela subordinadas, técnica e juridicamente.

Atualmente, dentre seus órgãos de direção, existe a Subprocuradoria Federal de Consultoria Jurídica a quem compete, além de realizar estudos jurídicos, apreciar consultas, bem como dirimir dúvidas e divergências para uniformizar a interpretação das normas. Esta mesma Subprocuradoria também tem competência para analisar controvérsias jurídicas de interesse das autarquias e fundações públicas federais submetidas à Câmara de Mediação e de Conciliação da Administração Pública Federal.

Além disso, a AGU criou uma câmara para fomentar a segurança jurídica e reduzir o contencioso, a chamada Câmara de Promoção de Segurança Jurídica no Ambiente de Negócios, que terá comitês tributários e regulatórios, como informa o Jota7. Seus principais objetivos estão relacionados a uma nova concepção de advocacia pública, voltada à prática e ao diálogo e estará aberta para receber contribuições de setores sobre situações em que não há segurança jurídica, como quando há posições divergentes entre órgãos da administração pública. Grifou-se.

Para que as medidas e ações (decorrentes da nova resolução conjunta) possam ser eficientes e eficazes, os conceitos devem estar previamente claros, de modo a não comportarem dúvidas ou interpretações discrepantes. E tudo deve passar pela harmonização e consenso dos entendimentos das Agências (e suas respectivas Procuradorias), primeiro, quanto à essencialidade das infraestruturas e, segundo, quanto à possibilidade legal e constitucional de a ANEEL e a Anatel determinarem a cessão do direito de exploração comercial destas mesmas infraestruturas (pontos de fixação nos postes) a terceiros interessados.

Tomara que terminemos o ano de 2024 sem as divergências interpretativas de que falava o Conselheiro Alexandre Freire em seu artigo, com significativos progressos no sentido da solução deste problema e a infraestrutura “poste” tenha o mesmo significado para ANEEL que tem para a Anatel.

Márcio Rodrigues dos Santos

1 https://teletime.com.br/19/12/2023/retrospectiva-regulatoria-os-casos-decididos-pela-anatel-que-definiram-as-telecomunicacoes-em-2023/

2 Caldas, Eduardo Pereira, O Papel da Procuradoria Geral Federal na Regulação Exercida pelas Agências Reguladoras, disponível em doi: 10.21783/rei.v5i2.391

3 Parecer 00297/PFANEEL/PGF/AGU

4 PARECER n. 00377/2023/PFE-ANATEL/PGF/AGU

5 Calixto Salomão Filho, Regulação da Atividade Econômica (Princípios e Fundamentos Jurídicos), São Paulo; Ed. Malheiros Editores, 2001; pág. 67

6 A doutrina das Essential Facilities: compartilhamento de infraestruturas e redes, Alexandre Wagner Nester, artigo disponível em https://acervodigital.ufpr.br/handle/1884/63196

7 https://www.jota.info/tributos-e-empresas/tributario/agu-lanca-camara-para-fomentar-a-seguranca-juridica-e-reduzir-o-contencioso-27122023

Márcio Rodrigues dos Santos, Especialista em regulação e tributário. Foi gerente jurídico da Brasil Telecom em SP e Diretor na Telebras. Atualmente, é sócio-diretor da consultoria Futurion Análise Empresarial

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